Um dos maiores empecilhos para aqueles que defendem a
ideia de que é possível ensinar português sem estudar gramática está
relacionado com a confusão generalizada que muita gente faz entre dominar a
língua padrão e saber gramática. Pessoas cultas fazem essa confusão e até mesmo
profissionais do ramo (professores de linguística e de português, jornalistas,
escritores, etc.) caem na mesma esparrela. Em meus trabalhos, defendo a ideia
de que se trata de dois saberes, ou de duas práticas distintas: uma
pessoa pode escrever muito bem sem saber gramática e outra pode saber gramática
sem saber escrever adequadamente.
Um
exemplo dessa confusão entre saber português e saber gramática está retratado
na entrevista que o Prof. Evanildo Bechara concedeu à revista Veja em
1º/06/2012. É preciso esclarecer, no entanto, que considero o referido
professor como um intelectual de altíssimo nível, que tem prestado relevantes
serviços ao país, na área de filologia e língua portuguesa, mas, no caso
específico da entrevista, pode-se dizer que houve uma falha lamentável.
Em
primeiro lugar, o professor defende o ensino e o uso da norma culta, posição
com a qual concordo plenamente. “O objetivo da escola é ensinar a língua
padrão’, já dizia Sírio Possenti. Em vários trechos da entrevista, a postura do
professor Bechara é bastante clara: “... é preciso que se reconheça que a
língua culta reúne infinitamente mais qualidades e valores (do que a língua não
culta). Ela é a única que consegue produzir e traduzir os pensamentos que circulam no mundo da
filosofia, da literatura das artes e das ciências.” Mais adiante, continua,
agora batendo em outra tecla: “Ela é um componente determinante da ascensão
social... Privar cidadãos disso é o mesmo que lhes negar a chance de progredir
na vida.”
Até aqui
tudo bem. O grande problema é a confusão que se estabeleceu com relação à
gramática. São raras as pessoas que sabem gramática hoje em dia. Mesmo os
professores de português não sabem gramática direito. Por outro lado, milhares
ou mesmo milhões de pessoas escrevem adequadamente, mas fogem da gramática como
o diabo foge da cruz. Já tive vários orientandos no Curso de Pós-Graduação da
Fale/UFMG, que escreveram teses e dissertações para provar que escrever bem e
saber gramática são dois saberes ou atividades distintas.
Na
entrevista em questão, ficou a ideia de que para dominar a norma culta é
preciso saber gramática. Se isso for verdade, são raríssimas as pessoas que
dominam a norma culta, porque quase ninguém sabe gramática.
Infelizmente,
até hoje, muitas pessoas condicionam o aprendizado da língua padrão ao estudo
da gramática. É o que defende o Prof. Bechara ao afirmar: “ Ao questionar a
necessidade do estudo da gramática nas escolas do país, linguistas como Marcos
Bagno e tantos outros estão nivelando por baixo o ensino do português”. Até a
revista Veja se deixou levar pelas palavras do ilustre filólogo, ao
colocar como título da entrevista “Em defesa da gramática”. O ideal seria que a
entrevista tivesse como título “Em defesa da norma culta”.
Meu sonho é saber a norma culta.
ResponderExcluirNa verdade quase nem sei escrever direito!