sexta-feira, 18 de maio de 2012

Ainda sobre os cursos de Letras


            Depois que escrevi sobre o papel dos cursos de Letras na última postagem, tive acesso a dois interessantes textos que tratam do mesmo assunto. Um leitor anônimo deste blog – a quem muito agradeço – me indicou um texto do Prof. Marcos Bagno intitulado A catástrofe dos cursos de Letras, publicado em 2008 na revista Caros Amigos, mas que está ainda no seu site.

            O Prof. Marcos Bagno levanta alguns problemas cruciais em sua mensagem. Depois de chamar a atenção para o fato de que os alunos de Letras são egressos de camadas  menos privilegiadas e menos escolarizadas da população, o autor afirma que esses alunos muitas vezes não sabem sequer escrever adequada e corretamente quando entram para o curso superior . Os conhecimentos linguísticos que demonstram são baixíssimos. No entanto, os cursos de Letras, principalmente as faculdades de Letras federais, fazem vistas grossas a esses problemas e fingem que os alunos são “ótimos leitores e redatores”. Em consequência disso, despejam sobre eles, logo no início do curso, teorias sofisticadas recém-importadas da Europa e dos Estados Unidos. Há poucos dias, um aluno me disse que os professores “fazem de conta” que todos entram para a faculdade sabendo gramática e que deveriam saber análise sintática. Ó! Ledo engano! Que aluno hoje sabe gramática, se a maior parte dos professores de português do ensino básico também não sabe?

            Os cursos de Letras deveriam ter pelo menos dois anos – como sugere o Prof. Marcos Bagno – de disciplinas intensivas de leitura e produção de textos (e eu acrescentaria o estudo da gramática tradicional, pois o professor de português, esse sim, precisa conhecer a estrutura da língua).

            O outro texto é do Prof. Luciano Mendes de Faria Filho, intitulado Formação de professores, publicado no jornal Estado de Minas, de 24/04/12.

            O artigo trata da formação de professores de um modo geral e não, de professores de português. O articulista refere-se primeiramente a uma crítica que tem sido feita às universidades pelo fato de elas darem mais importância aos cursos de pós-graduação do que aos de graduação. Essa atitude parece repetir uma “tendência tendenciosa” do governo federal em proteger e valorizar os cursos mais “elevados” – pós-graduação e graduação – em detrimento da formação básica, de fundamental importância para o ingresso do país no grupo seleto dos países desenvolvidos.

            Um aspecto interessante do artigo diz respeito ao fato de que uma mudança de atitude com relação a esse problema tem sido atribuída a uma vontade individual do professor, quando, na verdade, deveria ser tratada como um problema estrutural da universidade. Falta, porém, aos colegiados das escolas de licenciatura, bem como às autoridades universitárias e educacionais de um modo geral, vontade política para mudar esse status quo.

            Outro problema levantado pelo autor está relacionado com o papel do professsor e do pesquisador. “A formação de professores requer profissionais de competência e sensibilidades muito distintas dos pesquisadores.” Acho incrível como as nossas autoridades educacionais não enxergam esse problema. Na área de Letras, chega a ser ridícula a posição de certos linguistas, o que vale dizer, de certos pesquisadores com relação ao ensino de português. Os pesquisadores-linguistas devem se preocupar com a língua natural, ao passo que o professor de português deve se preocupar primordialmente com a língua padrão. Mas esse é assunto para as próximas postagens.

            Termino com estas palavras do Prof. Luciano Mendes de Faria Filho: “...é difícil servir a dois senhores, a pesquisa acadêmica de ponta e a formação de professores”. 

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Para que servem os cursos de Letras?


            “A formação do professor de educação básica é a base da proposta pedagógica da Faculdade Letras (da UFMG) e sempre constituiu, desde a sua fundação, a sua vocação principal.” Certo? Errado.

            Apesar de a citação ter sido extraída de seu Projeto Pedagógico, a Faculdade de Letras da UFMG – bem como inúmeros cursos de Letras espalhados por este país – não se preocupa com o ensino básico (fundamental e médio). A missão principal desses cursos deveria ser a de formar professores. Dos mais de mil alunos que procuram a nossa Faculdade em cada período letivo, setenta por cento, aproximadamente, optam pelo diploma de licenciatura em português, ou seja, desejam ser professores do nosso idioma. No entanto, esses alunos não são preparados adequadamente para o exercício do magistério.

            Um simples exame das disciplinas e das ementas que são lecionadas na Fale/UFMG nos dá a ideia da dimensão do problema. Os professores se preocupam muito mais com as últimas teorias linguísticas que são geradas na Europa e nos Estados Unidos do que com a formação realística dos alunos. Nossos alunos, de um modo geral, são fracos e muitos escolhem o curso de Letras, porque a exigência do número de pontos no vestibular é menor. É claro que há exceções: alguns alunos abraçam o curso por vocação e são verdadeiros geniozinhos. Pode-se mesmo dizer que o discente entra para a Faculdade sem saber nada de português, mas sai com a cabeça mais confusa ainda: afinal, ela não ensina (a contento) a gramática tradicional, não leva o aluno a dominar a língua padrão e despeja na cabeça do aluno teorias linguísticas das quais ele vai se esquecer rapidamente e que não trarão qualquer benefício para o ensino do idioma pátrio. O descontentamento dos alunos é enorme: muitos procuram na grade curricular disciplinas que sejam voltadas para o ensino de português mas não encontram.

            Não causa estranheza, portanto, o estado lastimável em que se encontra o ensino de português no país. É voz corrente que ele vai mal e isso se deve, em grande parte, à omissão dos cursos de Letras. Parece até que certos docentes chegam a pensar: “Trata-se de um assunto muito elementar, inadequado para a formação acadêmica que tive na Europa e nos Estados Unidos”. E o pior costuma acontecer: professores despejam nas cabeças dos alunos de Letras teorias linguísticas e discursivistas que não têm qualquer proveito efetivo para o ensino de português.

            As faculdades existem para formar profissionais em suas respectivas áreas. A de Medicina forma médicos, a de Engenharia forma engenheiros, a de Direito forma advogados, e assim por diante. A Faculdade de Letras não foi feita para formar professores? Parece que não.

            Um sintoma grave dessa indiferença das faculdades de Letras (principalmente as federais) com o ensino pôde ser visto recentemente com o último Acordo Ortográfico. O assunto passou a quilômetros de distância dos doutores subequatorianos da Sorbonne e Massachusetts. Tudo bem que essa questão não seja de interesse para a Linguística, mas é muito importante para o ensino de português. Mais uma vez, os cursos de Letras ficaram à margem da discussão, tanto antes como depois da publicação do Acordo.

            Sob certos aspectos, a ABL – a tão combatida Academia Brasileira de Letras – presta mais serviços ao ensino do que as faculdades de Letras. Afinal, não é de sua iniciativa a publicação do VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), tão últil para os professores do vernáculo?

            Enfim, quem é que presta mais serviços à comunidade, com relação ao emprego do português padrão? São os cursos superiores de Letras ou os chamados “professores midiáticos”, como Pasquale Cipro Neto, Dad Squarisi, Sérgio Nogueira e outros?

            Para finalizar, é preciso reconhecer que os cursos de Letras precisam continuar com as suas pesquisas de alto nível, fazer as suas experimentações, incentivar a participação de professores em cursos do exterior, introduzir novas teorias nas diversas áreas do conhecimento, etc., etc. Tudo isso deve ser feito nos cursos de pós-graduação da Fale/UFMG. Nos cursos de graduação – citando mais uma vez o Projeto Pedagógico – “a formação de professores constitui um compromisso maior da Faculdade de Letras e uma realidade de mercado para os profissionais de Letras, além de ser uma necessidade estratégica do país no eixo educacional”.