sábado, 20 de abril de 2013

Redações do Enem: um problema sem solução? (continuação)


            Durante vinte anos participei da correção de redações do vestibular da UFMG. Pude testemunhar os desencontros e as contradições existentes entre as equipes avaliadoras e também dentro da mesma equipe. É claro que havia muita concordância na atribuição dos pontos, mas também um grande número de opiniões desencontradas. Por mais que se fizessem treinamentos dos professores – e esses treinamentos presenciais eram de fato realizados – ,  sempre havia opiniões discordantes. Observem a forma fizessem que usei no parágrafo anterior: muitos professores consideram correto o emprego de fizesse. Mas esse seria apenas um tipo de problema, relacionado com o aspecto formal do texto. Há inúmeros outros também graves, como estruturação do pensamento, sequenciação de ideias, logicidade de raciocínio, adequação de linguagem, tratamento do tema, etc. Acho simplesmente impossível que haja unanimidade de posições com relação à correção de redações, mesmo que se exija do candidato o emprego da linguagem formal.

            Além disso, é preciso considerar que o ato de escrever – mesmo em se tratando de escrita formal – tem a ver com o dom, com as habilidades pessoais. Há pessoas que adoram escrever e outros “fecham a cara” para esse tipo de atividade. Conheço um dentista, por exemplo, excelente profissional, que se nega a escrever duas linhas seguidas, passando essa tarefa para a secretária. A avaliação do Enem não pode se basear em habilidades pessoais. Alguns alunos não podem levar vantagem nas provas de redação por possuírem esse pendor natural. Além disso, pontuações como 870, 560 ou 320 são altamente suspeitas. Como se pode atribuir esses pontos? Qual é a fórmula mágica usada na correção? Se um candidato recebe 320 pontos em vez de 560, tal pontuação pode mudar ou comprometer uma vida inteira.

            Por outro lado, um aluno que não saiba escrever ou interpretar textos não pode fazer um curso superior. Como resolver esse problema?

            A meu ver, as redações deveriam ser enquadradas em quatro grupos: A – redações muito boas, sem problemas de qualquer espécie; B – redações acima da média; C – redações abaixo da média; D – redações com erros graves de comunicação e de linguagem (o aluno não tem condições de fazer um curso superior). Tomando como base o valor total da redação, as avaliações equivaleriam a 1000, 666, 333 e zero, respectivamente. É claro isso é apenas uma sugestão e adaptações poderiam ser feitas.

            Essa proposta não é infalível, mas parece ser bem mais justa, humana e exequível do que a do modelo vigente.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Redações do Enem: um problema sem solução?


            Uma das tarefas mais espinhosas, árduas e cansativas do professor de português é a famosa “correção de redação”. Deem o nome que quiserem – produção da escrita, produção textual, reescrita, etc., – o certo é que o professor tem por obrigação levar o aluno a produzir os mais variados tipos de texto durante o período escolar. Trata-se de uma tarefa extremamente importante, mas, como dizia, espinhosa. Pense-se em um professor obrigado a corrigir cem, duzentos ou mesmo trezendos textos por semana, por mês ou por bimestre... O ensino da redação é uma questão por demais complexa e não posso descer aqui a pormenores com relação ao assunto. No meu livro Gramática: nunca mais (o primeiro deles), procuro discorrer bastante sobre essa prática escolar tão útil para a vida.

            O principal problema está relacionado com o critério de correção. O que deve prevalecer: a criação do aluno ou a correção linguística? Alguém poderia falar em meio-     -termo, mas isso é possível? Um poema é um poema e uma procuração é uma procuração, com tipos de linguagem diferentes.

            Sempre que toco nesse assunto, lembro-me de que certa vez, há muitos anos, quando eu era professor da Escola Estadual Professor Pedro Aleixo, em Belo Horizonte, pedi aos meus alunos que fizessem uma redação com o título Se eu fosse Presidente da República. De um modo geral, os alunos usaram o chamado “português correto”, como era de esperar, mas houve um deles – de sobrenome Moreno, filho de uma aluna minha da Faculdade e de um jornalista – que extrapolou, isto é, escreveu (intuitivamente, é claro) à maneira de Álvaro de Campos: eram gritos lancinantes de revolta contra a situação vigente, sem pontuação, sem paragrafação e sem muita sequência lógica, mas que surtiram um efeito extraordinário, considerando-se que era uma criança de 12 ou 13 anos. Daí me veio a dúvida: que nota atribuir ao trabalho do aluno?

            Existem várias propostas com relação à avaliação de textos, mas parece não haver nenhuma que satisfaça a maioria dos professores de português. Um aluno que escreve corretamente, de acordo com os padrões cultos da linguagem, merece uma nota boa, mesmo que a sua redação seja pouco ou nada criativa? Mas o importante para a vida não é saber usar o dialeto padrão? Afinal, o aluno vai precisar na vida profissional é de escrever cartas, ofícios, procurações, avisos, relatórios, textos técnicos, etc. O dom da criação artística é um privilégio de poucos e, na verdade, são poucas as pessoas que se dedicam a essa atividade. Mas as suas redações na escola, mesmo com problemas de adequação à língua culta, devem ser bem avaliadas, no sentido de obterem boas notas?

            Enfim, como deve ser a correção de textos na escola? Deve ou pode o professor  avaliar a redação e, numa atitude mais ou menos impressionista, lançar a nota global? Ou seria conveniente dar uma nota pelo conteúdo e descontar alguns pontos pelos chamados erros de português? Ou não deve o professor se preocupar com o aspecto formal do trabalho, isto é, com a ortografia, pontuação, concordância, regência, etc., valorizando apenas a comunicação ou a mensagem proposta pelo aluno?

            Agora transponha-se esse problema para a correção dos milhões de redações do Enem. São milhares de professores-corretores, ou seja, milhares de cabeças pensantes diferentes que, mesmo com treinamento específico – on-line, diga-se de passagem –, atribuem notas aos candidatos do Enem. Acho uma atitude temerária do Inep atribuir pontos a uma correção que apresenta tantos problemas e um viés subjetivo bastante forte.

            Não estou com isso dizendo que não deve haver redação no Enem. Pelo contrário; sou francamente favorável a essa atividade pedagógica, essencial para a vida e para a carreira do indivíduo. Condeno apenas a maneira como é feita a correção. Mas como deve ser operacionalizada a avaliação das redações do Enem? Na próxima postagem apresentarei uma proposta simples e objetiva para a questão, que não traga tanta desconfiança para os candidatos. Urge que pensemos no assunto, antes que as redações do Enem se tornem uma “piada nacional”, como vaticinou a revista Veja, em uma reportagem recente.