segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Os cursos de Letras formam professores?


            A meu ver, não. Vou dizer por quê.

            O que deve ser ensinado na escola básica? Leitura... leitura... leitura... produção da escrita... produção da escrita... produção da escrita... Claro, isso é o que de essencial existe no ensino de português, e parece que a grande maioria dos professores concorda com isso. Há, porém, certos conteúdos que não fazem parte dos programas da disciplina Língua Portuguesa, que prefere se preocupar com o sexo dos anjos e com o orgasmo das cotovias. São conteúdos indispensáveis no curso fundamental e que fazem parte de qualquer livro didádico, mas que foram, inexplicavelmente, expulsos dos bancos escolares dos cursos superiores de Letras. São conteúdos do tipo:

-         concordância verbal

-         concordância nominal

-         regência verbal

-         regência nominal

-         emprego de pronomes

-         colocação de pronomes

-         conjugação verbal

-         emprego dos tempos e modos

-         pontuação

-         acentuação gráfica

-         emprego do infinitivo

-         uso do acento indicador da crase

-         gênero e número dos nomes

-         emprego dos conectivos, etc.

 

Veja bem, meu caro leitor: esses conteúdos são ensinados aos alunos do curso fundamental, mas quando são estudados – com profundidade – pelo futuro professor de português? Nunca, se dependermos de cursos de Letras como o da FALE/UFMG. Acho que uma coisa deve ficar bem clara: no curso de Letras devem ser ministrados conteúdos que serão dados no ensino básico. Pesquisas de ponta (principalmente aquelas que são desenvolvidas nas teses de doutorado) e os últimos hits importados da Sorbonne e de Massachusetts devem ser estudados no mestrado, no doutorado e no pós-doutorado. Deixem os cursos de Letras preparar professores para o curso fundamental! É claro que o curso de graduação deve também despertar no aluno interesse para as pesquisas avançadas, mas isso deve ocupar uma parte mínima do curso.

É bem provável que o leitor esteja querendo me perguntar: mas você não é contra o ensino da gramática na escola?

Mas veja bem o seguinte (vou dividir a resposta em duas partes);

1º) O professor de português, como especialista que é da linguagem, deve saber muito bem os conteúdos apresentados acima, não só sob o ponto de vista do uso, isto é, da prática, como também sob o ponto de vista teórico, isto é, com o domínio da gramática explícita.

2º) O aluno do curso básico deve dominar, na prática, os conteúdos apresentados acima, sem necessidade de dominar a teoria gramatical. Você acha isso impossível? Leia ou consulte o meu livro Gramática nunca mais II – Exercícios (Edit. Comunicação de Fato), em que você encontrará inúmeros exercícios sobre os conteúdos apresentados, sem o emprego da parafernália gramatical que apresentam as nossas gramáticas.

Você pode estar ainda querendo perguntar: e a expressão oral? Ela também não é importante? Não deve ser ensinada ou exercitada nas escolas? Sem dúvida, esse aspecto do ensino de português é muito importante, mas vamos deixá-lo para a próxima postagem.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

O ensino de português e o Enem


            As provas do Enem, de qualquer disciplina, ao mesmo tempo em que refletem os conteúdos que são ministrados nas escolas do país, também exercem uma forte influência sobre as matérias que são ensinadas no ciclo básico. É um movimento de vai e vem, em que se observa uma espécie de infiltração recíproca. Por esse motivo, fiquei bastante preocupado com as questões da prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias, realizada pelo Enem, em 2012.

            A minha preocupação está relacionada com o tipo de linguagem que deve ser ensinado na escola. Já dizia Sírio Possenti, em seu livro Por que (não) ensinar gramática na escola: “... o objetivo da escola é ensinar o português padrão (...) qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico”.

            De fato, o cidadão comum vai precisar na sua vida é do português padrão. Que o digam os profissionais dos vários ramos do conhecimento: jornalistas, advogados, juízes, arquitetos, professores, historiadores, geógrados, militares, juízes de futebol, etc., etc. Também os técnicos em enfermagem, informática, telecomunicação, instrumentação, construção civil, etc., etc. vão precisar da língua padrão para escrever seus relatórios, suas comunicações, seus avisos e assim por diante. Todos sabemos que erros de português podem comprometer uma carreira. Além disso, o indivíduo, para conseguir qualquer diploma, vai precisar dominar a língua culta para fazer os seus trabalhos, as suas provas e a sua monografia. Isso sem falar na dissertação de mestrado ou na tese de doutorado que são sempre escritas em português padrão. Mesmo no dia a dia de nossas vidas, estamos constantemente redigindo procurações, escrevendo cartas comerciais, desvendando os segredos dos manuais de instrução ou do manual do imposto de renda, que são escritos, como sabemos, em língua padrão.

            O domínio da língua padrão é, de longe, o objetivo mais importante do ensino de português no ciclo básico.

            Essa não parece ser a preocupação dos autores da prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias. Das 39 questões da prova, 27 se preocupam com a linguagem não padrão: ou são textos de literaturta (prosa e poesia), ou são textos em linguagem publicitária (que não utiliza, necessariamente, a língua padrão), ou transcrições de linguagem falada ou ainda textos que colocam em xeque o emprego da língua culta. Por outro lado, todas as questões são escritas em língua padrão (não só as provas de Linguagens, como também de todas as outras disciplinas). A organização da prova exige que a redação seja do “tipo dissertativo-argumentativo", o que vale dizer, em língua padrão.

            Não tenho nada contra a língua literária, informal ou oral. Pelo contrário, em meu livro Gramática: nunca mais, procuro estimular a prática da leitura e da escrita desse tipo de linguagem. Lembremo-nos, porém, de que a língua formal é indispensável a todo e qualquer cidadão, ao passo que a língua literária ou informal é uma questão de opção: cultiva-a quem assim o quer. Ninguém é obrigado a gostar de literatura, assim como ninguém é obrigado a gostar de música clássica, de pintura ou de balé. A escola deve, sim, estimular, mas não, obrigar o aluno a gostar das diversas modalidades artísticas. Mas isso é assunto para uma outra postagem.

            A impressão que se tem, ao ler a prova de Linguagens, é de que seus autores (todos formados em Letras, como se presume) querem que os estudos realizados nos cursos de Letras sejam o centro do Universo. Ledo engano! Se as provas fossem elaboradas por professores do ensino básico, certamente, o português padrão seria, de longe, o mais exigido na prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias.      

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Gramáticas e livros de consulta


            Volto às perguntas que fiz na postagem anterior:

 

As gramáticas devem ser simplesmente banidas da face da terra?

Afinal, o que é um livro de consulta de português?

 

Sim, as gramáticas devem ser banidas da face da terra.

Pelos motivos expostos no texto anterior, não faz sentido que as gramáticas tradicionais continuem a ser publicadas. Muitos e muitos argumentos poderiam ser acrescentados: a sua inutilidade para o estudo de português nas escolas, o caráter imutável de sua teoria (que as condena a uma fossilização inaceitável), as contradições internas de uma teoria extremamente vulnerável a críticas, o caráter enciclopédico de seus conteúdos, que pretende reunir em um só volume todos os problemas da língua, etc., etc.

As gramáticas científicas, no entanto, devem ser publicadas. Elas se destinam a especialistas da linguagem, como linguistas, professores e alunos de cursos de letras. Elas não devem ser usadas nas escolas, pois o seu objetivo é o estudo científico da linguagem humana, não o português padrão escrito. Dois bons exemplos de gramáticas científicas são as do Prof. Mário Perini e do Prof. Ataliba de Castilho. Elas são baseadas no português culto falado. Defendo a ideia de que deve haver também gramáticas científicas baseadas no português escrito padrão. Não conheço gramáticas desse tipo, apenas trabalhos acadêmicos, como a tese da Prof.ª Rosângela Borges Lima, intitulada Estudo da norma escrita brasileira presente em textos jornalísticos e técnico-científicos (Faculdade de Letras da UFMG – 2003). Há, porém, inúmeros trabalhos acadêmicos que têm como corpus o português padrão escrito usado na imprensa escrita contemporânea e nas publicações técnico-científicas. São obras desse tipo que devem abastecer os livros de consulta.

A meu ver, os livros de consulta de português são muito mais úteis ao cidadão comum do que as gramáticas tradicionais. São obras de fácil acesso, em linguagem accessível mesmo a pessoas com baixa escolaridade, são obras que se atêm àqueles itens que trazem realmente dúvidas aos consulentes, enfim, são trabalhos escritos com o intuito de facilitar a vida do estudante e das pessoas que buscam uma solução para os problemas do português. Há inúmeros livros nesse sentido: cito apenas os trabalhos do Prof. Sérgio Nogueira Duarte da Silva, do Prof. Pasquale Cipro Neto e uma obra conjunta dos professores José de Nicola e Ernani Terra.

É pena que alguns desse trabalhos apresentem as explicações sobre o uso do português com base na gramática. A meu ver, a explicação fica prejudicada, pois são pouquíssimas as pessoas que dominam a teoria gramatical. Mas, de qualquer forma, os livros de consulta são bem mais úteis do que as gramáticas tradicionais.

Para sanar essa dívida com o leitor, comunico que acabei de escrever um livro de consulta, que receberá o título de Português sem gramática. Deve ser lançado em breve.

sábado, 27 de outubro de 2012

O que é um livro de consulta de português?


            Para o cidadão comum, uma gramática tradicional é um péssimo livro de consulta na hora de utilizar o português padrão escrito. Há vários motivos que justificam tal afirmativa:

1º) Para uma pessoa consultar uma gramática, é necessário que ela saiba gramática. Ora, hoje em dia, neste país, quem é que sabe gramática satisfatoriamente, a ponto de entender o conteúdo de um compêndio gramatical? Apenas os professores de português, e olhe lá! Tenho minhas sinceras dúvidas se os professores de português de hoje sabem gramática. Gostaria de fazer uma pesquisa sobre esse assunto, mas como estou comprometido com outros trabalhos, deixo aqui essa sugestão para uma boa dissertação de mestrado. Costumo sempre dizer que, para compreender o Código Penal, o indivíduo precisa saber Direito Penal, para compreender o Código Civil, o indivíduo precisa saber Direito Civil, e assim por diante. Ora, para consultar a gramática, a pessoa precisa saber gramática ... e aí surge o drama.

2º) A gramática usa uma terminologia esdrúxula, arcaica e rebarbativa, o que a torna de difícil acesso ao cidadão comum (pretérito imperfeito do subjuntivo, oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de gerúndio, verbo anômalo, predicado verbo-nominal, etc.). Alguns defensores da gramática dirão: – Mas a nomenclatura da química e a da física também são muito complicadas! Sim, é verdade, mas elas são lógicas e transparentes, e são úteis – sem os excessos, é lógico –, mesmo para o cidadão comum. Tal não acontece com a termilologia gramatical.

3º) Ao escrever um texto, uma pessoa tem muitas dificuldades para encontrar certas informações na gramática. Experimente o caro leitor encontrar o assunto emprego da crase em certas gramáticas. Umas o colocam na regência verbal, outras no emprego da preposição, outras na acentuação e outras ainda em um capítulo separado. Se o leitor quiser saber se a frase isto é para mim fazer está correta, ele terá sérias dificuldades para encontrar a solução nos compêndios gramaticais.

Duas perguntas surgem, em decorrência do que acabei de falar.

As gramáticas devem ser simplesmente banidas da face da terra?

Afinal, o que é um livro de consulta de português?

Vou deixar esses assuntos para a próxima postagem.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A gramática tradicional e a gramática científica


            As pessoas que não fazem um curso de letras, ou seja, que não estudam linguística (embora se possa estudar linguística sem fazer um curso de letras), via de regra, só conhecem um tipo de gramática: é aquela que se chama de tradicional, normativa ou prescritiva. Ela é descrita em livros como os de Cunha e Cintra, Bechara, Cegalla, Rocha Lima, Cipro Neto, etc. Falei sobre essas gramáticas na última postagem. Embora apresentem uma teoria confusa, arcaica e contraditória, elas apresentam, porém, um modelo de linguagem que tem sido seguido pela imensa maioria dos jornais, revistas, livros técnicos e científicos, pela comunicação oficial, pela correspondência comercial e pública, etc. Enfim, nos meios ou suportes em que se espera que seja usada a língua padrão escrita, é ele, o modelo de linguagem descrito pelas gramáticas tradicionais, que tem sido usado, como foi visto anteriormente. Embora apresentem muitos problemas, é esse tipo de gramática que deve servir de consulta para os professores de português.

            Esse tipo de gramática não deve ser confundido com o que hoje se chama de gramática científica. Ela se destina ao estudo científico da linguagem humana e deve ser usada por estudantes de letras, por professores de português e por pesquisadores que desejam estudar com profundidade a linguagem humana. A gramática científica não se preocupa com a linguagem padrão escrita, como, de fato, não é objetivo da linguística estudar a linguagem normativa. Como afirmam Dubois et alii, no Dicionário de linguística (Cultrix), na linguística “todos os fatos de língua são estudados: o ponto de vista normativo é excluído.” (p. 391). Um bom exemplo de gramática científica é a que foi publicada recentemente pelo Prof. Mário Perini, intitulada Gramática do português brasileiro (Parábola, 2010). O autor, numa atitude extremamente coerente com os propósitos de sua obra, afirma na p. 26: “Este é, portanto, um livro destinado a alunos e professores de letras, assim como a professores de línguas de todos níveis – pessoas que já conhecem os rudimentos de gramática.” Essa gramática não é indicada, portanto, para alunos dos níveis secundário e médio. Um modelo de frase como “chegou mais de vinte pacotes para o senhor” (p. 278) é objeto de estudo – com toda a razão – da Gramática do Prof. Perini, por ser muito utilizado, mesmo por pessoas escolarizadas. As gramáticas tradicionais, por sua vez – e com toda a razão –, não se interessam por esse modelo de linguagem, pois o objetivo delas é apresentar a língua escrita padrão.

            A Gramática pedagógica do português brasileiro, de Marcos Bagno, não é tradicional nem científica. Não é tradicional, pois ele mesmo se declara contra a gramática tradicional. Não é científica, pois para servir de modelo para a língua padrão escrita, ela deveria se basear na língua padrão escrita. Mas não é isso o que acontece, como vimos na postagem anterior.

            Como deve ser um livro de consultas que sirva de modelo para que alunos do curso básico e pessoas de um modo geral possam usar no seu dia a dia? É sobre esse assunto que pretendo tratar na próxima postagem.     

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sobre a palestra do Prof. Marcos Bagno (II)


            A gramática tradicional apresenta duas facetas, que muitas pessoas – mesmo professores de português calejados – não conseguem distinguir. De um lado, existe nos compêndios normativos uma teoria gramatical arcaica, ultrapassada, incoerente e autoritária. Via de regra, essa teoria não justifica seus pontos de vista. São dez as classes de palavras, pronto e acabou. Em vou ao cinema, o verbo é intransitivo e não se discute, apesar de todos os argumentos ao contrário. Leia-se, a propósito o livro do Prof. Perini Por uma nova gramática do português. Essa pseudo-teoria linguistica, como já expus longamente em meus livros e como defende também o Prof. Marcos Bagno, é perfeitamente dispensável do ensino do português (ensino básico).

            Outra coisa diferente é o modelo de linguagem apresentado pelas gramáticas tradicionais. Não estou discutindo as suas fontes, as suas abonações, enfim, o corpus ou os corpora em que se baseiam. Isso é outro problema. O certo é que o modelo de linguagem preconizado pelas gramáticas tradicionais é seguido, quase que integralmente, pelos suportes ou veículos que se dispõem a usar a língua padrão escrita. Não estou me referindo aqui à língua literária, à língua da publicidade ou às letras de música, por exemplo, já que se trata de gêneros diferentes. Refiro-me ao português padrão escrito, aquele que é encontrado nas reportagens dos jornais e revistas de grande circulação, nos livros e artigos técnico-científicos, nas publicações dos tribunais, das assembleias e dos órgãos públicos, por exemplo. De fato, esse português padrão é bem uniforme no país inteiro. Dificilmente podemos distinguir um livro, um artigo científico ou mesmo um jornal que é publicado em Porto Alegre, Rio de Janeiro ou Recife. Há, inclusive, pesquisas sobre o assunto. Cito aqui a tese da Prof.ª Rosângela Borges Lima, intitulada Estudo da norma escrita brasileira presente em textos jornalísticos e técnico-científicos (2003), defendida na Faculdade Letras da UFMG.

            Pois bem. É esse o tipo de linguagem que é ensinado nas escolas e que serve de modelo para que os nossos alunos adquiram o português padrão, que, por sua vez, vai ser utilizado pelos futuros advogados, jornalistas, engenheiros, arquitetos, historiadores, etc. em seus trabalhos e em sua comunicação escrita.

            Não é essa, porém, a posição do Prof. Marcos Bagno. Em sua palestra, o professor defendeu a posição de que o modelo de língua que ele propõe no ensino de português seja o da língua falada urbana culta. Não mais o modelo de linguagem que é ensinado pelas gramáticas gramaticais; não mais o tipo de linguagem que é usado nos jornais e revistas de grande circulação, nos livros técnicos e científicos, nas publicações dos tribunais, etc. Numa atitude totalmente nova e solitária nos meios acadêmicos brasileiros, o autor defende a posição de que a língua falada pelas pessoas escolarizadas deve ser o modelo do português padrão. Acontece, porém, como todos nós sabemos, que existem diferenças marcantes entre a língua escrita e a falada, ou, mais especificamente, entre a língua usada em um livro de direito e a língua do dia a dia de um jornalista ou de um professor de geografia. Isso é uma unanimidade entre os autores brasileiros e do mundo inteiro.

            Citamos a seguir algumas passagens da própria linguagem do autor, extraídas da Gramática Pedagógica, em que foi seguido o modelo da norma culta falada:

            “...levar uma pessoa a dominar plenamente as habilidades de leitura e escrita obrigando ela a decorar...(p. 22)

            “Boa parte disso tudo a gente aprende em casa... na nossa comunidade, nos grupos que fazemos parte, nas redes sociais que nos movimentamos...” (p.28)

            Me refiro aos dois títulos abaixo...” (p. 25)

            “...já passou da hora de se considerar igualmente válido e igualmente correto dizer ‘vou ao cinema’, ‘vou no cinema’ ou vou para o cinema’. (p. 620)

            “No corpus do NURC-Brasil, existe 28 usos de tinha como apresentacional...” (p. 626)

            “Não existe vida social sem que se estabeleça normas para a conduta...” (p. 32)

            Meu caro aluno ou colega: aceite o conselho de um amigo. Ao utilizar o português padrão para escrever um artigo, um aviso público ou mesmo a ata do seu condomínio, não siga as instruções da Gramática Pedagógica. Caso contrário, as pessoas dirão que você escreve errado.

            Voltaremos ao assunto.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Sobre a palestra do Prof. Marcos Bagno (I)


                                Sobre a palestra do Prof. Marcos Bagno (I)

 

            Hoje vou fazer dois comentários a respeito da palestra do Prof. Marcos Bagno. Esses comentários versarão especificamente sobre a palestra do professor. Pretendo analisar com mais vagar a Gramática Pedagógica que foi lançada na ocasião e fazer algumas críticas à obra em postagens posteriores.

            Em primeiro lugar, louvo a postura do professor ao expulsar dos bancos escolares a parafernália gramatical que ainda persiste no ensino de português. Todo e qualquer tipo de gramática explícita que é dada na escola básica é lesivo à prática escolar. Já expus essa questão, demoradamente – e de maneira teórica – no meu livro Gramática: nunca mais (Martins Fontes) e – de maneira prática – no meu segundo livro da série, Gramática nunca mais II (Exercícios) (Comunicação de Fato).

            O conferencista apresentou as razões que o levam a dispensar a gramática no ensino da língua. Não vou aqui repetir os argumentos apresentados pelo palestrante, por serem já bastante conhecidos de todos: o conhecimento da gramática não é um meio adequado para levar o aluno à proficiência no domínio do texto (leitura, produção, etc.); a gramática, em si, é muito contraditória e confusa; a gramática constitui  um corpo de doutrina que não se atualiza há mais de dois mil anos, etc., etc.

            Mas a questão que mais incomodou na exposição do Prof. Marcos Bagno está relacionada com o tipo de linguagem que deve servir de modelo para a fixação do chamado português padrão (escrito).

            Na sua fala, o expositor chamou a atenção para a necessidade de o professor de português ensinar aos alunos a redigir documentos, tais como ofícios, memorandos, procurações, contratos, etc. pois é disso que o cidadão vai precisar na vida. Isso é mais importante do que exigir dos alunos redações com títulos descontextualizados e absurdos como Um passeio no campo ou A vaca (citado pelo autor). Quanto a isso estou de pleno acordo com o palestrante.

            Mas o nó da questão é o seguinte: qual é o modelo de linguagem que deve ser usado para escrever ofícios, cartas oficiais, petições, etc.? Estendendo um pouco a questão: qual é o modelo de linguagem que deve ser usado para escrever reportagens, artigos/livros técnicos e científicos, obras acadêmicas ou didáticas de geografia, história, arquitetura, medicina, engenharia, filosofia, direito, etc.?

            Tradicionalmente, o padrão de linguagem que tem sido usado no Brasil é o modelo descrito pela gramática normativa. Há alguma dúvida com relação a isso? Pretendo demonstrar, por a mais bê, que não.

            Mas o Prof. Marcos Bagno, que é brilhante ao alijar a teoria gramatical dos bancos escolares, é ao mesmo tempo, inconsequente, ao afirmar que o modelo de linguagem que deve ser ensinado na escola é o da norma falada urbana culta.

            Na próxima postagem, vou descer a detalhes com relação ao assunto 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Palestra do Prof. Marcos Bagno em B. Horizonte


            Se você se preocupa com o ensino de português ou com a língua portuguesa de um modo geral, acho que temos uma boa oportunidade para discutirmos essas questões com o Prof. Marcos Bagno. Para os que não sabem, ele é professor da UnB e já publicou inúmeros livros sobre o assunto: A língua de Eulália, Preconceito linguístico, Dramática da língua portuguesa e outros. A palestra, intitulada O que é e para que serve uma gramática, será proferida no próximo dia 15, sábado, às nove horas, no auditório 102 do CAD Humanas (atrás da Faculdade de Letras), campus da Pampulha. Depois da palestra, haverá debates e as pessoas poderão, é lógico, levantar muitas questões com relação ao ensino da gramática e ao uso do português.

            Uma questão que é constantemente discutida pelo Prof. Marcos Bagno em seus livros está relacionada com o modelo de linguagem que é descrito e preconizado pelas gramáticas gramaticais. Deveria esse modelo de linguagem ser ensinado ainda hoje? Trata-se de um tipo de linguagem que é ainda usado? A língua das pessoas, hoje, não é outra, moderna, atual, vibrante, que acompanha o progresso do país? Ou é aquela ainda usada por José de Alencar, Machado de Assis e outros?

            O que você acha dessa posição?

            Certamente, essa e outras questões serão discutidas na palestra. Eu tenho uma posição clara com relação a esse assunto. Se esse tema não for discutido na palestra, prometo voltar ao tema na próxima postagem.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

É certo falar errado?


            O interessante e chamativo título desta postagem – É certo falar errado? – será o tema de um debate do qual terei o prazer de participar, juntamente com o meu colega Prof. Pedro Perini-Santos, da PUC-UFMG. O evento – intitulado Café Controverso – será realizado no Espaço TIM UFMG do Conhecimento, no próximo sábado, dia 25/08, às 11 horas, na Praça da Liberdade. Conto com a sua presença e a sua participação no debate que haverá depois de uma rápida exposição minha e do meu colega-professor.

            Creio que será uma ótima oportunidade que teremos para discutir esse importante assunto para os professores de português e para as pessoas de um modo geral. Espero que você já vá pensando no tema e prepare algum questionamento para a discussão. Não vou adiantar a essência da minha fala, mas sabemos mais ou menos o que vai ser discutido. O português padrão que é apresentado nas gramáticas tradicionais deve ser ensinado nas escolas? Ele já não estaria ultrapassado e não deveria ser atualizado? As pessoas falam ou deveriam falar segundo o modelo que é apresentado nas gramáticas? É lícito “podar” a linguagem que o aluno traz para a escola? Isso não seria podar a sua liberdade? Não seria “um preconceito” por parte do professor querer mudar a linguagem espontânea que o aluno traz de casa? Ensinar aos alunos a chamada língua culta ou exigir que os cidadãos usem a língua “correta” não seria uma atitude elitista por parte do professor de portuguêes e das autoridades de um modo geral?

            Isso é apenas um aperitivo. Espero a sua presença no Café Controverso para podermos discutir essas e muitas outras questões sobre o tema proposto.

            Até lá!

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Linguistas e professores de português (II)


            Refeito da minha viagem à Espanha, volto à carga com o intuito de continuar as minhas considerações a respeito do papel da linguística e da disciplina intitulada língua portuguesa (ou, simplesmente, português).

            Como vimos, a linguística se preocupa com o estudo científico da linguagem humana. O português, que é ensinado nas escolas, exigido nos vestibulares e concursos e empregado nas revistas, jornais, livros técnicos e científicos, etc., se preocupa com a chamada língua culta ou padrão. Os objetivos de ambas as disciplinas não devem ser confundidos, porque, na verdade, são muito diferentes. Para o cidadão comum, o que interessa é o domínio da língua culta, seja escrita ou falada. É essa que vai ser importante na vida do indivíduo, em virtude de seu prestígio e da sua obrigariedade nos mais diversos ramos  da atividade humana.

            Os professores de português deveriam se conscientizar da extrema importância do ensino da língua padrão e deixar para os linguistas as elucubrações teóricas a respeito da linguagem. Para o cidadão comum, como eu ia dizendo, uma aula do Prof. Pasquale é muito mais importante do que todos os tratados de sociolinguística.

            É por isso que eu acho que os linguistas deveriam se ater ao seu campo de atuação – o estudo científico da linguagem humana (aliás, de grande importância para a humanidade) – e deixar a questão do ensino da língua portuguesa, que tem como matéria-prima o português padrão, para os professores de português.

            Essa ingerência de alguns linguistas no ensino do vernáculo causa, às vezes, uma grande confusão. Veja-se o caso recente de um parecerista, que assim se manifestou a respeito de um livro didático de português: “Mas eu posso falar ‘os livro’? Claro que pode.” Ora, um livro didático não é um lugar para fazer linguística. Linguística se estuda nos cursos de Letras. No ensino básico, deve-se estudar, essencialmente, a língua culta.

            Alguns dirão que já no ensino fundamental é necessário mostrar essa distinção entre o uso natural da língua e o aprendizado da linguagem culta. Acho que isso pode ser feito, mas com muito cuidado. Vejam que no caso do livro didático, a revolta foi geral. Escritores, jornalistas, revistas e jornais de grande circulação, membros da Academia Brasileira de Letras revoltaram-se contra a matéria. Será que eles estão errados? É claro que não. Mas os linguistas estão errados? Também não. O que houve foi a inadequação no que diz respeito ao espaço escolhido para as considerações do parecerista. Enfim, escola (básica) não é lugar para fazer linguística.  

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Nota


            No próximo mês de julho estarei fazendo um périplo pela Espanha (Sevilha, Málaga, Granada, Cartagena, Valencia, Cuenca, Madri e Ilhas Canárias). Por causa disso, o blog será suspenso nesse período.

            Em agosto voltarei com força total.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Linguistas e professores de português


            No último dia 15 chamou a minha atenção uma Carta do leitor publicada no Estado de Minas, intitulada “Leitor critica postura de linguistas”, de autoria de  Manoel Eulálio d’Assumpção.

            O autor da carta afirma: “Deslumbrados linguistas ou sociolinguistas que não sabem a língua portuguesa (por terem a cabeça atulhada de teorias fantasiosas e por desprezar irresponsavelmente o conhecimento das normas básicas da linguagem) viraram uma praga no ensino de nosso idioma.”

            Não é a primeira vez que aparece esse tipo de problema na imprensa – o choque de posturas entre as teorias linguísticas e o ensino da língua portuguesa. Não adianta tapar o sol com a peneira: as divergências existem, vêm de muitos anos, mas é possível traçar uma linha clara de atuação entre os linguistas e os professores de português.

            A linguística é o estudo científico da linguagem humana. A sua preocupação básica é a língua natural, ou seja, aquela que é falada espontaneamente pelos grupos sociais. É por isso que a linguística se preocupa em estudar toda e qualquer manifestação da linguagem humana, como o linguajar dos barranqueiros do rio São Francisco, dos boiadeiros do interior do Mato Grosso, dos flanelinhas de Belo Horizonte, dos plantadores de cana de açúcar do Nordeste, dos frequentadores dos bailes funk da periferia do Rio de Janeiro, etc. A “linguagem” é estudada em sua essência, tal como ela se apresenta, livre de policiamentos, censuras ou julgamentos de valor, do mesmo modo como se estuda um       fenômeno antropológico ou sociológico. A gramática normativa não tem nada a ver com a descrição das línguas ou dos linguajares e a grande maioria dos estudos linguísticos se baseia na linguagem oral. É o que se lê no Dicionário de Linguística de Dubois et al.: “Todos os fatos de língua são estudados: o ponto de vista normativo é excluído”.

            A língua padrão escrita, que é apresentada nas gramáticas tradicionais, não é (ou não deveria ser) objeto de estudo da linguística. Essa é uma modalidade de linguagem tradicional, artificial, convencional, que tem suas próprias regras, diferentes, na superfície, das regras da linguagem falada. Mas é necessário dizer que a gramática tradicional, apesar de apresentar inúmeras contradições, omissões e equívocos em sua teoria, apresenta um modelo de linguagem que é seguido pela imensa maioria das publicações em que se espera que seja usada a língua padrão, como nos jornais, revistas, periódicos, livros (e artigos) técnicos e científicos, linguagem oficial, burocrática, comercial, etc.

            Essa língua padrão é o principal objeto de estudo do ensino fundamental. Como diz Possenti, “o objetivo da escola é ensinar a língua padrão. Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico”. É com esse tipo de linguagem que devem se preocupar os professores de português, tanto do ensino básico quanto do ensino superior. Afinal, a língua padrão vai ser importante, essencial e muitas vezes indispensável na vida das pessoas.

            Mas isso é assunto para a próxima postagem.

terça-feira, 12 de junho de 2012

A gramática é uma religião


            Certa vez recebi um conselho, que sigo religiosamente até hoje, e que repasso aos meus caros alunos: em sala de aula, não se deve discutir religião, política e futebol. Quanto à religião e à política, a discussão se torna de fato muito difícil, porque as crenças e as ideologias subjugam e embotam as mentes, os espíritos e até os corações. Quanto ao futebol, acho que não vale a pena falar sobre o assunto, porque o Galo de Minas é realmente o melhor time e não vale a pena discutir essa questão.

            Brincadeiras à parte, vou abrir uma exceção e dizer que há pessoas que tratam a gramática como se fosse uma religião. Em primeiro lugar, consideram a gramática como se fosse a Bíblia. Trata-se, segundo essas pessoas, do livro sagrado da língua portuguesa. Em segundo lugar, a gramática é infalível, e desrespeitar os seus preceitos é um pecado mortal. Em terceiro lugar, a gramática é intocável e não se pode mudar as suas regras e preceitos. Há mais de dois mil anos ela permanece, na sua essência, a mesma. Em quarto lugar, os “fieis”, ou melhor, a grande maioria dos falantes, consideram que a gramática é a própria língua portuguesa. Quantas e quantas pessoas dizem que “não sabem português”, “que português é muito difícil”, quando, na verdade, querem dizer que a gramática do português é muito difícil. As pessoas não se dão conta de que falam maravilhosamente bem o português, porque falam o que querem, conversam com todas as pessoas, leem jornais, revistas e livros, entendem o que se fala nos rádios, televisões, cinemas, teatros, etc. Mesmo assim, as pessoas de um modo geral insistem em dizer que não sabem português.

            Voltando à comparação com a religião, é interessante observar o seguinte: muitas e muitas pessoas se afastaram da prática da religião e de seus dogmas (refiro-me especialmente à religião católica, que é o meu caso). Não se confessam mais, não vão à missa aos domingos, não fazem jejum, não acreditam na infalibilidade do Papa, não acreditam que Cristo tenha sido homem e Deus ao mesmo tempo, etc. No entanto, se passar um recenseador em suas casas, eles dirão que são católicos.

            O caso da gramática é mais ou menos o mesmo. A grande maioria das pessoas diz que as regras gramaticais, com seus exageros, suas exceções e com a sua nomenclatura esdrúxula e rebarbativa, são desnecessárias no aprendizado do português. Além disso, é quase unânime a posição dos falantes quando afirmam que a gramática não tem qualquer proveito para auxiliar na melhor compreensão dos textos e, muito menos, na produção da escrita. Muitos alunos reconhecem que o estudo da teoria gramatical no ensino básico é um empecilho para as pessoas gostarem de português, dada a sua natureza complicada, ilógica e inatingível. Na verdade, o estudo da gramática afasta os estudantes do domínio da língua padrão.

            No entanto, se for feita uma pesquisa, tenho a impressão de que a grande maioria dos intrevistados dirá que é necessário estudar gramática. Não é uma simples questão de metodologia. A religião e a gramática são partes integrantes da cultura de um povo. E substituir os valores de um grupo social é uma das coisas mais difíceis do mundo. Mas não é impossível! 

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Dominar a norma culta é diferente de saber gramática


Um dos maiores empecilhos para aqueles que defendem a ideia de que é possível ensinar português sem estudar gramática está relacionado com a confusão generalizada que muita gente faz entre dominar a língua padrão e saber gramática. Pessoas cultas fazem essa confusão e até mesmo profissionais do ramo (professores de linguística e de português, jornalistas, escritores, etc.) caem na mesma esparrela. Em meus trabalhos, defendo a ideia de que se trata de dois saberes, ou de duas práticas distintas: uma pessoa pode escrever muito bem sem saber gramática e outra pode saber gramática sem saber escrever adequadamente.

Um exemplo dessa confusão entre saber português e saber gramática está retratado na entrevista que o Prof. Evanildo Bechara concedeu à revista Veja em 1º/06/2012. É preciso esclarecer, no entanto, que considero o referido professor como um intelectual de altíssimo nível, que tem prestado relevantes serviços ao país, na área de filologia e língua portuguesa, mas, no caso específico da entrevista, pode-se dizer que houve uma falha lamentável.

Em primeiro lugar, o professor defende o ensino e o uso da norma culta, posição com a qual concordo plenamente. “O objetivo da escola é ensinar a língua padrão’, já dizia Sírio Possenti. Em vários trechos da entrevista, a postura do professor Bechara é bastante clara: “... é preciso que se reconheça que a língua culta reúne infinitamente mais qualidades e valores (do que a língua não culta). Ela é a única que consegue produzir e traduzir os  pensamentos que circulam no mundo da filosofia, da literatura das artes e das ciências.” Mais adiante, continua, agora batendo em outra tecla: “Ela é um componente determinante da ascensão social... Privar cidadãos disso é o mesmo que lhes negar a chance de progredir na vida.” 

Até aqui tudo bem. O grande problema é a confusão que se estabeleceu com relação à gramática. São raras as pessoas que sabem gramática hoje em dia. Mesmo os professores de português não sabem gramática direito. Por outro lado, milhares ou mesmo milhões de pessoas escrevem adequadamente, mas fogem da gramática como o diabo foge da cruz. Já tive vários orientandos no Curso de Pós-Graduação da Fale/UFMG, que escreveram teses e dissertações para provar que escrever bem e saber gramática são dois saberes ou atividades distintas.

Na entrevista em questão, ficou a ideia de que para dominar a norma culta é preciso saber gramática. Se isso for verdade, são raríssimas as pessoas que dominam a norma culta, porque quase ninguém sabe gramática.
Infelizmente, até hoje, muitas pessoas condicionam o aprendizado da língua padrão ao estudo da gramática. É o que defende o Prof. Bechara ao afirmar: “ Ao questionar a necessidade do estudo da gramática nas escolas do país, linguistas como Marcos Bagno e tantos outros estão nivelando por baixo o ensino do português”. Até a revista Veja se deixou levar pelas palavras do ilustre filólogo, ao colocar como título da entrevista “Em defesa da gramática”. O ideal seria que a entrevista tivesse como título “Em defesa da norma culta”.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Ainda sobre os cursos de Letras


            Depois que escrevi sobre o papel dos cursos de Letras na última postagem, tive acesso a dois interessantes textos que tratam do mesmo assunto. Um leitor anônimo deste blog – a quem muito agradeço – me indicou um texto do Prof. Marcos Bagno intitulado A catástrofe dos cursos de Letras, publicado em 2008 na revista Caros Amigos, mas que está ainda no seu site.

            O Prof. Marcos Bagno levanta alguns problemas cruciais em sua mensagem. Depois de chamar a atenção para o fato de que os alunos de Letras são egressos de camadas  menos privilegiadas e menos escolarizadas da população, o autor afirma que esses alunos muitas vezes não sabem sequer escrever adequada e corretamente quando entram para o curso superior . Os conhecimentos linguísticos que demonstram são baixíssimos. No entanto, os cursos de Letras, principalmente as faculdades de Letras federais, fazem vistas grossas a esses problemas e fingem que os alunos são “ótimos leitores e redatores”. Em consequência disso, despejam sobre eles, logo no início do curso, teorias sofisticadas recém-importadas da Europa e dos Estados Unidos. Há poucos dias, um aluno me disse que os professores “fazem de conta” que todos entram para a faculdade sabendo gramática e que deveriam saber análise sintática. Ó! Ledo engano! Que aluno hoje sabe gramática, se a maior parte dos professores de português do ensino básico também não sabe?

            Os cursos de Letras deveriam ter pelo menos dois anos – como sugere o Prof. Marcos Bagno – de disciplinas intensivas de leitura e produção de textos (e eu acrescentaria o estudo da gramática tradicional, pois o professor de português, esse sim, precisa conhecer a estrutura da língua).

            O outro texto é do Prof. Luciano Mendes de Faria Filho, intitulado Formação de professores, publicado no jornal Estado de Minas, de 24/04/12.

            O artigo trata da formação de professores de um modo geral e não, de professores de português. O articulista refere-se primeiramente a uma crítica que tem sido feita às universidades pelo fato de elas darem mais importância aos cursos de pós-graduação do que aos de graduação. Essa atitude parece repetir uma “tendência tendenciosa” do governo federal em proteger e valorizar os cursos mais “elevados” – pós-graduação e graduação – em detrimento da formação básica, de fundamental importância para o ingresso do país no grupo seleto dos países desenvolvidos.

            Um aspecto interessante do artigo diz respeito ao fato de que uma mudança de atitude com relação a esse problema tem sido atribuída a uma vontade individual do professor, quando, na verdade, deveria ser tratada como um problema estrutural da universidade. Falta, porém, aos colegiados das escolas de licenciatura, bem como às autoridades universitárias e educacionais de um modo geral, vontade política para mudar esse status quo.

            Outro problema levantado pelo autor está relacionado com o papel do professsor e do pesquisador. “A formação de professores requer profissionais de competência e sensibilidades muito distintas dos pesquisadores.” Acho incrível como as nossas autoridades educacionais não enxergam esse problema. Na área de Letras, chega a ser ridícula a posição de certos linguistas, o que vale dizer, de certos pesquisadores com relação ao ensino de português. Os pesquisadores-linguistas devem se preocupar com a língua natural, ao passo que o professor de português deve se preocupar primordialmente com a língua padrão. Mas esse é assunto para as próximas postagens.

            Termino com estas palavras do Prof. Luciano Mendes de Faria Filho: “...é difícil servir a dois senhores, a pesquisa acadêmica de ponta e a formação de professores”. 

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Para que servem os cursos de Letras?


            “A formação do professor de educação básica é a base da proposta pedagógica da Faculdade Letras (da UFMG) e sempre constituiu, desde a sua fundação, a sua vocação principal.” Certo? Errado.

            Apesar de a citação ter sido extraída de seu Projeto Pedagógico, a Faculdade de Letras da UFMG – bem como inúmeros cursos de Letras espalhados por este país – não se preocupa com o ensino básico (fundamental e médio). A missão principal desses cursos deveria ser a de formar professores. Dos mais de mil alunos que procuram a nossa Faculdade em cada período letivo, setenta por cento, aproximadamente, optam pelo diploma de licenciatura em português, ou seja, desejam ser professores do nosso idioma. No entanto, esses alunos não são preparados adequadamente para o exercício do magistério.

            Um simples exame das disciplinas e das ementas que são lecionadas na Fale/UFMG nos dá a ideia da dimensão do problema. Os professores se preocupam muito mais com as últimas teorias linguísticas que são geradas na Europa e nos Estados Unidos do que com a formação realística dos alunos. Nossos alunos, de um modo geral, são fracos e muitos escolhem o curso de Letras, porque a exigência do número de pontos no vestibular é menor. É claro que há exceções: alguns alunos abraçam o curso por vocação e são verdadeiros geniozinhos. Pode-se mesmo dizer que o discente entra para a Faculdade sem saber nada de português, mas sai com a cabeça mais confusa ainda: afinal, ela não ensina (a contento) a gramática tradicional, não leva o aluno a dominar a língua padrão e despeja na cabeça do aluno teorias linguísticas das quais ele vai se esquecer rapidamente e que não trarão qualquer benefício para o ensino do idioma pátrio. O descontentamento dos alunos é enorme: muitos procuram na grade curricular disciplinas que sejam voltadas para o ensino de português mas não encontram.

            Não causa estranheza, portanto, o estado lastimável em que se encontra o ensino de português no país. É voz corrente que ele vai mal e isso se deve, em grande parte, à omissão dos cursos de Letras. Parece até que certos docentes chegam a pensar: “Trata-se de um assunto muito elementar, inadequado para a formação acadêmica que tive na Europa e nos Estados Unidos”. E o pior costuma acontecer: professores despejam nas cabeças dos alunos de Letras teorias linguísticas e discursivistas que não têm qualquer proveito efetivo para o ensino de português.

            As faculdades existem para formar profissionais em suas respectivas áreas. A de Medicina forma médicos, a de Engenharia forma engenheiros, a de Direito forma advogados, e assim por diante. A Faculdade de Letras não foi feita para formar professores? Parece que não.

            Um sintoma grave dessa indiferença das faculdades de Letras (principalmente as federais) com o ensino pôde ser visto recentemente com o último Acordo Ortográfico. O assunto passou a quilômetros de distância dos doutores subequatorianos da Sorbonne e Massachusetts. Tudo bem que essa questão não seja de interesse para a Linguística, mas é muito importante para o ensino de português. Mais uma vez, os cursos de Letras ficaram à margem da discussão, tanto antes como depois da publicação do Acordo.

            Sob certos aspectos, a ABL – a tão combatida Academia Brasileira de Letras – presta mais serviços ao ensino do que as faculdades de Letras. Afinal, não é de sua iniciativa a publicação do VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), tão últil para os professores do vernáculo?

            Enfim, quem é que presta mais serviços à comunidade, com relação ao emprego do português padrão? São os cursos superiores de Letras ou os chamados “professores midiáticos”, como Pasquale Cipro Neto, Dad Squarisi, Sérgio Nogueira e outros?

            Para finalizar, é preciso reconhecer que os cursos de Letras precisam continuar com as suas pesquisas de alto nível, fazer as suas experimentações, incentivar a participação de professores em cursos do exterior, introduzir novas teorias nas diversas áreas do conhecimento, etc., etc. Tudo isso deve ser feito nos cursos de pós-graduação da Fale/UFMG. Nos cursos de graduação – citando mais uma vez o Projeto Pedagógico – “a formação de professores constitui um compromisso maior da Faculdade de Letras e uma realidade de mercado para os profissionais de Letras, além de ser uma necessidade estratégica do país no eixo educacional”.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Ainda sobre o Acordo Ortográfico - O caso do trema


            Desde a publicação do Acordo, tenho recebido de alguns amigos saudosistas – como o Hélcio, a Simone, a Vera e a minha atual aluna Nádia de Assis – protestos pela cassação do trema. Brincadeiras à parte, sugiro que pesemos os prós e os contras, mas desde já afirmo que o posicionamento não é simples. A meu ver, o fiel da balança tende para a extinção dessa notação léxica.

            O primeiro argumento dos que defendem a permanência do trema está relacionado com a imperfeição da ortografia: linguiça e enguiça, frequente e esquente são pronunciados de maneira diferente, embora sejam escritos da mesma maneira. Isso acontece com certa frequência no português e com uma frequencia bem maior em outras línguas. Veja-se, por exemplo,  o caso da sílaba te. Em telefone e dente, as pronúncias são completamente diferentes. No primeiro caso, trata-se de uma consoante línguodental e, no segundo, de uma africada palatal (para usarmos uma classificação simples e tradicional). Há ainda inúmeros casos, que não percebemos direito, pelo fato de estarmos acostumados a eles. Por que pronunciamos de maneiras tão diferentes palavras como próximo, exame, xadrez e oxítona (respectivamente com sons de s, z, ch e cs), todas escritas com x?  E o que dizer de palavras como bênção e pertençam, que se escrevem de maneira diferente, mas se pronunciam com um ditongo nasal na última sílaba. Os exemplos são inúmeros e acho que não vale muito a pena insistir nesse assunto.

            O segundo argumento diz respeito aos alfabetizandos. Segundo alguns professores, o trema facilitaria a leitura de palavras como sequência, quinquenio, arguição e equino (em que se pronuncia o u), como também de palavras em que o u não é pronunciado: quina, aquiescência, quebranto e guirlanda. O argumento faz sentido em parte. Aqueles que dão ou deram aula no curso fundamental sabem como era difícil ensinar o uso do trema. Nos últimos anos ele era raramente usado pelos alunos e também pelos adultos. Chegou mesmo a ser dispensado nos vestibulares. Tratava-se de um caso inequívoco de morte anunciada. O uso do trema podia até ajudar um pouco no princípio, mas logo se tornava um peso morto.

            Há ainda aqueles que defendem o emprego do trema, por entender que, para o estrengeiro, o seu uso facilita a pronúncia das palavras onde ele deveria ser usado. Aqui também utilizo o argumento do parágrafo anterior. Pode até facilitar no início, mas depois ele será rapidamente esquecido. Além disso – os professores de português para estrangeiros que me perdoem – é preciso lembrar que a grafia da nossa língua tem que ser boa para os usuários da língua portuguesa e não, para os estrangeiros. Afinal, pondo de lado as questões políticas, por que houve tantas reformas na ortografia da nossa língua? Por duas razões muito simples, que, na verdade, se resumem em uma só. Para simplificar a escrita e por questões pedagógicas. A meu ver, só isso justifica plenamente a sua simplificação.  

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sobrou até para Guimarães Rosa


Sobrou até para Guimarães Rosa



            Eu já estava me preparando para “falar” especificamente sobre o trema, que foi cassado no último Acordo Ortográfico, quando deparei com uma reportagem – vou dizer de uma vez – estapafúrdia, que saiu hoje no Estado de Minas. Na verdade, não é a reportagem que é estapafúrdia, mas o conteúdo da proposta. Querem proibir a entrada – logo de quem? – de Guimarães Rosa, primeiramente, e também de Carlos Drummond de Andrade, de Mário de Andrade, de Manuel Bandeira, de Fernando Pessoa, de José Saramago e de muitos outros escritores nas salas de aula, porque esses autores não escrevem de acordo com a norma culta.

            Transcrevo o “caput” do artigo 1º do Projeto de Lei n. 1983/2011, de autoria do Deputado Bruno Siqueira (PMDB), que deverá ser votado na Assembleia Legislativa:

            “Fica proibida a adoção e distribuição, na rede de ensino pública e privada do Estado de Minas Gerais, de qualquer livro didático, paradidático ou literário com conteúdo contrário à norma culta da língua portuguesa ou que viole de alguma forma o ensino correto da gramática.”

            Não é a primeira vez que aparecem na mídia propostas, considerações ou comentários absurdos a respeito da língua portuguesa. A última foi a dos “ciganos”, que cheguei a comentar neste blog. Recomento às pessoas de um modo geral e, de um modo especial, aos deputados, que consultem os especialistas no assunto (professores de português), para que não cometam disparates, como este que reproduzo aqui.

            Passo ao cerne da questão, sem me ater à segunda parte da proposta do Deputado, senão fugiríamos demais ao nosso assunto.

            Em primeiro lugar, os nossos alunos, de todos níveis, precisam entrar em contato com a literatura. Afinal, as obras literárias são janelas que se abrem para o Mundo. Ler uma obra literária, ou apreciar uma obra de arte, é ultrapassar os limites desse reles mundinho em que vivemos. A língua falada do dia a dia - e a mais impura das matérias, como o lixo, por exemplo - podem forjar obras-primas de inigualável beleza.

            Além disso, arte é inovação, descoberta, ruptura. “Não se proponha a escrever, quem não se dispõe a inovar”, já dizia Ortega Y Gasset. Os grandes artistas da humanidade e, mesmo os grandes cientistas, são aqueles que duvidaram, que ousaram, que romperam com o passado: Beethoven, Monet, Galileu, Darwin, Freud, etc.

            Privar os alunos de entrar em contato com esses gênios é crime que merece cadeira elétrica.

            Em segundo lugar, compete aos professores de português mostrar aos alunos a diferença entre língua padrão e língua não padrão. A primeira está consubstanciada em jornais e revistas de grande circulação, nos livros técnicos e científicos, na linguagem burocrática e administrativa, nas leis, nos códigos, nos regulamentos, enfim, em todos os textos em que se requer um tratamento neutro à matéria apresentada. A língua não padrão  - e que também deve ser objeto de apreciação nas escolas – aparece na literatura contemporânea, nas letras de música, nas propagandas, nas peças de teatro, etc. Se o professor agir com clareza, com objetivos específicos, até mesmo com sabedoria, será perfeitamente possível separar o português padrão do português não padrão. Em meu livro Gramática: nunca mais (WMFMartins Fontes, 2007), chego a sugerir que as aulas de língua portuguesa, já no curso fundamental, sejam divididas em português padrão e prática literária. Mas isso é assunto para uma outra postagem.

            Enfim, não subestimemos os nossos alunos. Muitos deles entendem tudo de computação, de campeonato brasileiro, de Fórmula I e de MMA. E eles sabem separar com clareza a fantasia que devem usar para a balada do sábado à noite da roupinha que vestem para ver o time do coração. Isso tem tudo a ver com língua padrão e língua literária.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

De acordo com o Acordo

            Fui alertado por minha competente e simpática ex-aluna Simone Garófalo de que há um movimento capitaneado pelos professores Pasquale Cipro Neto e Ernani Pimentel no sentido de pedir ao Senado a suspensão do Acordo Ortográfico firmado recentemente pelos países de língua portuguesa. Em que pese a minha admiração pelo Prof. Pasquale, gostaria de dizer que a suspensão do Acordo seria um retrocesso, ou mesmo um desatino, com relação a toda essa questão. Seria atear lenha a uma fogueira que já está se apagando.

            Além disso, a meu ver, o Acordo apresenta mais benefícios do que malefícios. Vejamos os benefícios.

            Retomo aqui apenas duas reformas realizadas no século passado, que foram muito positivas para a fixação da ortografia nacional: a de 1943 e a de 1971.

            Antes de 1943, a grafia das palavras era extremamente confusa. Vivia-se ainda uma época de escrita pseudoetimológica, em que havia uma forte influência da época clássica e renascentista. As palavras eram escritas à maneira latina, com o emprego de rh (como em rhomboidal), de th (como em theatro), de ph (como em phosphoro e pharmacia) e de ch (com o som de k, como em chronica e chrisma). Pode-se mesmo dizer que havia uma barafunda generalizada em termos de ortografia, com exageros e equívocos que contribuíam para uma verdadeira algaravia nacional, como nos exemplos citados, além de outros como: typographia, septe, docto, dapno, infermo, intrar, egreja, lyrio, cyrio, comptar, sancto, etc.

            Em 1904, o foneticista português Gonçalves Viana tinha escrito um livro muito importante, intitulado Ortografia Nacional, que serviu de base para as reformas que se seguiram. Mas foi só em 1943 que o Brasil fixou a atual ortografia, com a publicação do Vocabulário Ortográfico pela Academia Brasileira de Letras. É a norma de 43 que vigora até hoje e que tornou a escrita do português relativamente fácil, se a compararmos com a francesa ou inglesa, por exemplo. Em termos de ortografia, a portuguesa é uma das mais accessíveis e funcionais que existem, por causa de sua simplicidade e de sua fidelidade à fonética, embora, é claro, conserve alguns laivos de etimologismo.

            Em 1971, uma pequena e arguta reforma livrou a escrita de um fardo penoso aos usuários da língua e particularmente aos professores da língua pátria. Antes de 71, era difícil saber – e ensinar aos alunos – que agôsto, o nome do mês, levava acento para diferenciar de agosto (?), que dêle, nêle, aquêle, mêdo, estrêla, fêz, côr, fôsse, fôr e outros milhares de palavras levavam acento para diferenciar de dele, nele, aquele, medo, estrela, cor, fosse, for, etc. (todas elas com vogal tônica aberta).

            Agora imagine, meu caro leitor, como seria difícil a escrita – principalmente para o ensino de português – se não tivéssemos passado pelas reformas de 43 e 71!

            O último Acordo, de 1990, embora tenha sido tímido, pois atingiu poucas palavras da língua portuguesa (em termos de frequência), contribuiu um pouco mais para que a escrita se torne cada vez mais fácil e accessível aos usuários e aprendizes da escrita. As reformas são importantes sob o ponto de vista pedagógico, pois elas estão se encaminhando para a simplificação da ortografia. Sendo assim, considerando o recente Acordo, podem-se considerar como fatores positivos a extinção do trema e a abolição do acento em palavras como assembleia, heroico, para (verbo parar), polo, pera, coa, veem, voo, argui, etc. É claro que o Acordo tem também pontos negativos: o calcanhar de aquiles é o emprego do hífen, que continua confuso e incompreensível, como era antigamente.

            A escrita de uma língua nunca é completamente fiel à sua execução oral. Mas para o bem da simplicidade e, ipso facto, do ensino do idioma nacional, é necessário que reformas parciais sejam feitas de tempos em tempos. Caso contrário, a escrita ficará esclerosada, como no caso do inglês e do francês. Reformas muito bruscas também são desaconselháveis, porque provocam confusão entre os usuários da língua. Sugiro que a próxima reforma – que espero seja no mínimo daqui a cinquenta anos – “conserte” a questão do fonema /s/, por exemplo. Como se sabe, há pelo menos nove maneiras diferentes de escrever o “som” representado pelos dois esses da palavra osso: seda, cedo, aço, osso, descer, excêntrico, extra, exsudar e feliz. Coitados dos nossos alunos! 

            As mais importantes e difundidas línguas ocidentais têm uma escrita única no mundo, como o inglês, o francês, o espanhol e o alemão. Faltava ao português, a sexta língua mais falada na Terra, esse status de regularidade.

            Deixo aqui registradas estas sábias palavras do Prof. Ismael de Lima Coutinho a respeito do assunto em questão: “ Faz-se mister, portanto, democratizar a ortografia. Já vai longe o tempo em que ela era considerada alguma coisa misteriosa, cujos segredos só competiam aos sacerdotes e iniciados.” 

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Por uma escola atraente e divertida

             Os conteúdos ensinados em nossas escolas são, em sua grande maioria, ultrapassados, cansativos, inúteis, ininteligíveis e perfeitamente dispensáveis. Esse é o caso da gramática. Neste blog, pretendemos discutir muito essa questão. De início, é preciso colocar nas cabeças das pessoas que as crianças só gostarão da escola se ela for “ atraente e divertida”. É o que pretendemos demonstrar neste blog. Começamos com a transcrição de um trecho da introdução do livro Gramática nunca mais 2. Voltaremos a tratar do assunto com mais profundidade.

             “O propósito desta obra está também relacionado com outro problema que aflige os educadores e os cidadãos, de um modo geral. Referimo-nos ao estado lastimável em que se encontra o nosso sistema educacional. Vamos deixar de lado os aspectos físicos e funcionais da questão (precariedade das escolas, falta de material didático, baixa remuneração dos professores, etc.) Na vida só aprendemos algo ou por interesse ou por prazer. Aqui estamos nos referindo a aprender, mas aprender de fato – do latim, aprehendere, ‘agarrar, segurar, apoderar-se, apreender’ – , o que não tem nada a ver com “decorar para ganhar uma boa nota”, como fazem muitos alunos. Ora, diversas disciplinas que são ministradas nas escolas não apresentam o menor interesse ou prazer para os alunos. Isso se dá com uma parte substancial do ensino de português, principalmente quando essa disciplina é dada com base na gramática. De fato, que prazer ou interesse (ou utilidade) há em estabelecer a distinção entre uma oração subordinada substantiva completiva nominal e uma oração subordinada substantiva objetiva indireta? Que prazer ou interesse há em estabelecer a diferença entre um pronome pessoal reto e um oblíquo? Alguns dirão que tal conhecimento contribui para o aprendizado da língua padrão. Isso nos faz lembrar o caso de uma velhinha que, mesmo não tendo passado pelos bancos escolares, dizia: “Você sabe onde está a Mariinha? Você pode procurá-la para mim?” Evidentemente que a velhinha não sabia o que é pronome reto ou oblíquo, regência verbal, verbo transitivo direto e objeto direto.”

terça-feira, 27 de março de 2012

Pontuar é preciso II (Respostas)

PONTUAR É PRECISO II (RESPOSTAS)


            Um dos maiores absurdos do ensino de português é tentar ensinar o aluno a usar os sinais de pontuação por meio da análise sintática. Por que o indivíduo chega à idade adulta “com medo” de pontuar?
São poucos os alunos que conseguem separar o sujeito do predicado. O que se dirá de professores que “ensinam” que não se deve separar por meio de vírgula o verbo transitivo direto do objeto direto, o núcleo do objeto indireto de seu adjunto adnominal, o termo regente do complemento nominal do termo regido e assim por diante? E o que se dirá de professores que afirmam que, por outro lado, deve-se colocar vírgula entre a oração principal e a oração subordinada, principalmente se esta estiver deslocada, que se deve colocar vírgula entre a oração principal e a oração subordinada adjetiva explicativa (mas não, se a oração for adjetiva restritiva) e assim por diante? Qual é o indivíduo, qual é o jornalista, qual é o escritor que se lembra dessas regras bolorentas ao redigir o seu texto?
            Saber pontuar é, antes de tudo, ter muito contato com o texto. Mas isso não basta. É necessário que o professor de português faça exercícios específicos sobre pausas na leitura. O aluno precisa ter o hábito de pontuar. Assim como é possível fazer leituras em voz alta em sala de aula, obedecendo às pausas, é possível também fazer com que o aluno releia o seu texto em voz alta, sempre tomando muito cuidado com as pausas, como veremos a seguir.

VÍRGULA

I – Observe o modelo:                                                 

Fernanda [   ,    ] Waldênia e Reinaldo são alunos desta turma.     

Leia a frase em voz alta, dando ênfase à vírgula. Em outras palavras, entre Fernanda e Waldênia existe uma pequena pausa, que corresponde a uma vírgula.
Proceda da mesma forma com as frases que se seguem, ou seja, leia-as em voz alta e, quando houver uma pausa, coloque uma vírgula entre colchetes.

1 – Nélia[,] Bárbara e Aparecida destacam-se como boas alunas.
2 – Os professores[,] os alunos e a comunidade deveriam se interessar pelo projeto.
3 – Os livros infantis[,] as revistas em quadrinhos e os almanaques podem ficar na estante da esquerda.

                  Þ Observe: quando se usa e, não há necessidade de colocar vírgula.

4 – Os estudantes[,] os professores os funcionários e os pais se mobilizaram contra a nova medida do governo.
5 – Todas as ruas[,] avenidas[,] praças e logradouros públicos deverão ser cadastrados.
6 – Os alunos provenientes de outras escolas[,] os professores recém-contratados e os funcionários não-concursados     irão se reunir hoje à tarde.
                                         Ý
                                        Aqui se pode fazer uma pequena pausa, é verdade, mas não se coloca vírgula, porque irão se reunir se refere ao que foi dito antes, ou seja, está ligado ao que já foi dito.
                            Em outras palavras:
                            Do mesmo modo como não faz sentido colocar vírgula na frase abaixo,

                            Os professores  ,      irão se reunir hoje,

        também não faz sentido colocar vírgula na frase 6 acima, no lugar indicado pela seta.

7 – Os livros de história[,] os cadernos de matemática e as pastas de desenho estão reunidos no armário.
8 – As crianças[,] os idosos[,] os deficientes físicos e as gestantes não precisam entrar na fila.
9 – Os atletas compraram bolas[,] camisas e raquetes.
10 – Este autor escreve poemas[,] contos e peças teatrais.
11 – O Prefeito de Belo Horizonte quis se referir aos aposentados[,] aos funcionários efetivos e aos concursados.
12 – Meus vizinhos gostam de computador[,] de televisão[,] de videoquê e de sanduíche.
13 – Os velocistas correm contra o vento[,] contra os competidores e contra o poder econômico.
14 – O artigo fez referência aos brancos[,] aos índios e aos negros.
15 – A sentença proferida pelo Juiz foi favorável aos proprietários[,] aos inquilinos[,] aos síndicos e aos visitantes.
16 – Trata-se de uma casa grande[,] moderna[,] ventilada e segura.
17 – Os contribuintes reincidentes[,] faltosos e omissos serão chamados na segunda etapa.
18 – Devemos agir com moderação[,] justiça e grandeza de caráter.
19 – Durante a segunda quinzena de junho[,] haverá muitas festas juninas em meu bairro.
20 – Com base no Código Nacional de Trânsito[,] os motoristas foram autuados em flagrante.
21 – Depois do prazo combinado[,] a polícia arrombou a portaria.
22 – Nas cidades ribeirinhas[,] o único alimento que não falta é o peixe.
23 – Com muito cuidado[,] o turista colocou no lugar a peça desaparecida.

II – Nos exemplos que se seguem, você não precisa mais indicar as pausas com os colchetes, mas continue a ler as frases em voz alta e a colocar vírgula nas pausas:

1 – Nas ilhas pertencentes ao Peru, os pesquisadores americanos encontraram exemplares de um lagarto pouco conhecido.
2 – A banda conseguiu, durante os últimos trinta minutos do show, um fato inédito: o silêncio total dos presentes.
3 – Dom Pedro II, Imperador do Brasil, foi um monarca sábio.
4 – Entre os livros de Machado de Assis, famoso escritor brasileiro, encontram-se Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro.
5 – Nuvens escuras apareceram no céu, sinal de tempestade iminente.
6– Mensageira da ideia, a palavra é a mais bela expressão da alma humana.
7 – A verdade, meus alunos, é que a mentira gera desconfiança.
8 – Meu Deus, por que me abandonastes?
9 – Podemos afirmar, senhores, que o nosso esforço foi recompensado.
10 – Os dias passam, as estações se sucedem.
11 – A palavra vale prata, o silêncio vale ouro.
12 – O braço constrói, o espírito eterniza.
13 – Os meninos pediram, choraram, imploraram até conseguirem o que queriam.
14 – Mudamos de paixões, mas não vivemos sem elas.
15 – Elas trabalham de sol a sol, porém recebem salários irrisórios.
16 – O mar é generoso, porém às vezes se torna cruel.
17 – As crianças são assim mesmo: ora participam de tudo, ora se retiram para o seu mundo.
18 – Penso, logo existo.
19 – Os professores deste colégio são sábios, por conseguinte merecem respeito.
20 – Deus, que é nosso pai, nos salvará.
21 – Ele tem amor às plantas, que cultiva com carinho.
22 – A mãe, que era surda, estava na sala com ela.
23 – Como as máquinas estão ocupadas, faremos o trabalho à mão.
24 – O professor ficou satisfeito, embora os resultados não fossem os esperados.
25 – Só poderíamos falar em desenvolvimento, se as taxas estivessem mais elevadas.
26 – Convidaremos os vizinhos, desde que todos venham.
27 – A empresa fará suas compras no país, a fim de prestigiar a indústria nacional.
28 – Quanto mais as cidades crescem, mais problemas vão surgindo.
29– Enquanto a formiga trabalhava, a cigarra cantava.
30 – Embora houvesse muita gente no estádio, nada de grave aconteceu.
31 – Não me impedirão de vir aqui hoje, ainda que tentem.
32 – Se tudo corresse bem, eles chegariam antes do anoitecer.
33 – À medida que o governo perdia força, a oposição aumentava sua influência.
34 – Construíram barreiras de pedra na entrada da cidade, para que a torrente de lama não invadisse as ruas.
35 – Apareceram estrelas no céu, assim que o sol se pôs.