A
gramática tradicional apresenta duas facetas, que muitas pessoas – mesmo
professores de português calejados – não conseguem distinguir. De um lado,
existe nos compêndios normativos uma teoria gramatical arcaica, ultrapassada,
incoerente e autoritária. Via de regra, essa teoria não justifica seus pontos
de vista. São dez as classes de palavras, pronto e acabou. Em vou ao cinema,
o verbo é intransitivo e não se discute, apesar de todos os argumentos ao
contrário. Leia-se, a propósito o livro do Prof. Perini Por uma nova
gramática do português. Essa pseudo-teoria linguistica, como já expus
longamente em meus livros e como defende também o Prof. Marcos Bagno, é
perfeitamente dispensável do ensino do português (ensino básico).
Outra
coisa diferente é o modelo de linguagem apresentado pelas gramáticas
tradicionais. Não estou discutindo as suas fontes, as suas abonações, enfim, o
corpus ou os corpora em que se baseiam. Isso é outro problema. O certo é que o
modelo de linguagem preconizado pelas gramáticas tradicionais é seguido, quase
que integralmente, pelos suportes ou veículos que se dispõem a usar a língua
padrão escrita. Não estou me referindo aqui à língua literária, à língua da
publicidade ou às letras de música, por exemplo, já que se trata de gêneros diferentes.
Refiro-me ao português padrão escrito, aquele que é encontrado nas reportagens
dos jornais e revistas de grande circulação, nos livros e artigos
técnico-científicos, nas publicações dos tribunais, das assembleias e dos
órgãos públicos, por exemplo. De fato, esse português padrão é bem uniforme no
país inteiro. Dificilmente podemos distinguir um livro, um artigo científico ou
mesmo um jornal que é publicado em Porto Alegre, Rio de Janeiro ou Recife. Há,
inclusive, pesquisas sobre o assunto. Cito aqui a tese da Prof.ª Rosângela
Borges Lima, intitulada Estudo da norma escrita brasileira presente em
textos jornalísticos e técnico-científicos (2003), defendida na Faculdade
Letras da UFMG.
Pois bem.
É esse o tipo de linguagem que é ensinado nas escolas e que serve de modelo
para que os nossos alunos adquiram o português padrão, que, por sua vez, vai
ser utilizado pelos futuros advogados, jornalistas, engenheiros, arquitetos,
historiadores, etc. em seus trabalhos e em sua comunicação escrita.
Não é
essa, porém, a posição do Prof. Marcos Bagno. Em sua palestra, o professor
defendeu a posição de que o modelo de língua que ele propõe no ensino de
português seja o da língua falada urbana culta. Não mais o modelo de linguagem
que é ensinado pelas gramáticas gramaticais; não mais o tipo de linguagem que é
usado nos jornais e revistas de grande circulação, nos livros técnicos e
científicos, nas publicações dos tribunais, etc. Numa atitude totalmente nova e
solitária nos meios acadêmicos brasileiros, o autor defende a posição de que a
língua falada pelas pessoas escolarizadas deve ser o modelo do português
padrão. Acontece, porém, como todos nós sabemos, que existem diferenças
marcantes entre a língua escrita e a falada, ou, mais especificamente, entre a
língua usada em um livro de direito e a língua do dia a dia de um jornalista ou
de um professor de geografia. Isso é uma unanimidade entre os autores
brasileiros e do mundo inteiro.
Citamos a
seguir algumas passagens da própria linguagem do autor, extraídas da Gramática
Pedagógica, em que foi seguido o modelo da norma culta falada:
“...levar
uma pessoa a dominar plenamente as habilidades de leitura e escrita obrigando
ela a decorar...(p. 22)
“Boa
parte disso tudo a gente aprende em casa... na nossa comunidade, nos grupos que
fazemos parte, nas redes sociais que nos movimentamos...” (p.28)
“Me
refiro aos dois títulos abaixo...” (p. 25)
“...já
passou da hora de se considerar igualmente válido e igualmente correto dizer
‘vou ao cinema’, ‘vou no cinema’ ou vou para o cinema’. (p. 620)
“No corpus
do NURC-Brasil, existe 28 usos de tinha como apresentacional...” (p.
626)
“Não
existe vida social sem que se estabeleça normas para a conduta...” (p.
32)
Meu caro
aluno ou colega: aceite o conselho de um amigo. Ao utilizar o português padrão
para escrever um artigo, um aviso público ou mesmo a ata do seu condomínio, não
siga as instruções da Gramática Pedagógica. Caso contrário, as pessoas
dirão que você escreve errado.
Voltaremos
ao assunto.