sábado, 27 de outubro de 2012

O que é um livro de consulta de português?


            Para o cidadão comum, uma gramática tradicional é um péssimo livro de consulta na hora de utilizar o português padrão escrito. Há vários motivos que justificam tal afirmativa:

1º) Para uma pessoa consultar uma gramática, é necessário que ela saiba gramática. Ora, hoje em dia, neste país, quem é que sabe gramática satisfatoriamente, a ponto de entender o conteúdo de um compêndio gramatical? Apenas os professores de português, e olhe lá! Tenho minhas sinceras dúvidas se os professores de português de hoje sabem gramática. Gostaria de fazer uma pesquisa sobre esse assunto, mas como estou comprometido com outros trabalhos, deixo aqui essa sugestão para uma boa dissertação de mestrado. Costumo sempre dizer que, para compreender o Código Penal, o indivíduo precisa saber Direito Penal, para compreender o Código Civil, o indivíduo precisa saber Direito Civil, e assim por diante. Ora, para consultar a gramática, a pessoa precisa saber gramática ... e aí surge o drama.

2º) A gramática usa uma terminologia esdrúxula, arcaica e rebarbativa, o que a torna de difícil acesso ao cidadão comum (pretérito imperfeito do subjuntivo, oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de gerúndio, verbo anômalo, predicado verbo-nominal, etc.). Alguns defensores da gramática dirão: – Mas a nomenclatura da química e a da física também são muito complicadas! Sim, é verdade, mas elas são lógicas e transparentes, e são úteis – sem os excessos, é lógico –, mesmo para o cidadão comum. Tal não acontece com a termilologia gramatical.

3º) Ao escrever um texto, uma pessoa tem muitas dificuldades para encontrar certas informações na gramática. Experimente o caro leitor encontrar o assunto emprego da crase em certas gramáticas. Umas o colocam na regência verbal, outras no emprego da preposição, outras na acentuação e outras ainda em um capítulo separado. Se o leitor quiser saber se a frase isto é para mim fazer está correta, ele terá sérias dificuldades para encontrar a solução nos compêndios gramaticais.

Duas perguntas surgem, em decorrência do que acabei de falar.

As gramáticas devem ser simplesmente banidas da face da terra?

Afinal, o que é um livro de consulta de português?

Vou deixar esses assuntos para a próxima postagem.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A gramática tradicional e a gramática científica


            As pessoas que não fazem um curso de letras, ou seja, que não estudam linguística (embora se possa estudar linguística sem fazer um curso de letras), via de regra, só conhecem um tipo de gramática: é aquela que se chama de tradicional, normativa ou prescritiva. Ela é descrita em livros como os de Cunha e Cintra, Bechara, Cegalla, Rocha Lima, Cipro Neto, etc. Falei sobre essas gramáticas na última postagem. Embora apresentem uma teoria confusa, arcaica e contraditória, elas apresentam, porém, um modelo de linguagem que tem sido seguido pela imensa maioria dos jornais, revistas, livros técnicos e científicos, pela comunicação oficial, pela correspondência comercial e pública, etc. Enfim, nos meios ou suportes em que se espera que seja usada a língua padrão escrita, é ele, o modelo de linguagem descrito pelas gramáticas tradicionais, que tem sido usado, como foi visto anteriormente. Embora apresentem muitos problemas, é esse tipo de gramática que deve servir de consulta para os professores de português.

            Esse tipo de gramática não deve ser confundido com o que hoje se chama de gramática científica. Ela se destina ao estudo científico da linguagem humana e deve ser usada por estudantes de letras, por professores de português e por pesquisadores que desejam estudar com profundidade a linguagem humana. A gramática científica não se preocupa com a linguagem padrão escrita, como, de fato, não é objetivo da linguística estudar a linguagem normativa. Como afirmam Dubois et alii, no Dicionário de linguística (Cultrix), na linguística “todos os fatos de língua são estudados: o ponto de vista normativo é excluído.” (p. 391). Um bom exemplo de gramática científica é a que foi publicada recentemente pelo Prof. Mário Perini, intitulada Gramática do português brasileiro (Parábola, 2010). O autor, numa atitude extremamente coerente com os propósitos de sua obra, afirma na p. 26: “Este é, portanto, um livro destinado a alunos e professores de letras, assim como a professores de línguas de todos níveis – pessoas que já conhecem os rudimentos de gramática.” Essa gramática não é indicada, portanto, para alunos dos níveis secundário e médio. Um modelo de frase como “chegou mais de vinte pacotes para o senhor” (p. 278) é objeto de estudo – com toda a razão – da Gramática do Prof. Perini, por ser muito utilizado, mesmo por pessoas escolarizadas. As gramáticas tradicionais, por sua vez – e com toda a razão –, não se interessam por esse modelo de linguagem, pois o objetivo delas é apresentar a língua escrita padrão.

            A Gramática pedagógica do português brasileiro, de Marcos Bagno, não é tradicional nem científica. Não é tradicional, pois ele mesmo se declara contra a gramática tradicional. Não é científica, pois para servir de modelo para a língua padrão escrita, ela deveria se basear na língua padrão escrita. Mas não é isso o que acontece, como vimos na postagem anterior.

            Como deve ser um livro de consultas que sirva de modelo para que alunos do curso básico e pessoas de um modo geral possam usar no seu dia a dia? É sobre esse assunto que pretendo tratar na próxima postagem.