sexta-feira, 29 de junho de 2012

Nota


            No próximo mês de julho estarei fazendo um périplo pela Espanha (Sevilha, Málaga, Granada, Cartagena, Valencia, Cuenca, Madri e Ilhas Canárias). Por causa disso, o blog será suspenso nesse período.

            Em agosto voltarei com força total.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Linguistas e professores de português


            No último dia 15 chamou a minha atenção uma Carta do leitor publicada no Estado de Minas, intitulada “Leitor critica postura de linguistas”, de autoria de  Manoel Eulálio d’Assumpção.

            O autor da carta afirma: “Deslumbrados linguistas ou sociolinguistas que não sabem a língua portuguesa (por terem a cabeça atulhada de teorias fantasiosas e por desprezar irresponsavelmente o conhecimento das normas básicas da linguagem) viraram uma praga no ensino de nosso idioma.”

            Não é a primeira vez que aparece esse tipo de problema na imprensa – o choque de posturas entre as teorias linguísticas e o ensino da língua portuguesa. Não adianta tapar o sol com a peneira: as divergências existem, vêm de muitos anos, mas é possível traçar uma linha clara de atuação entre os linguistas e os professores de português.

            A linguística é o estudo científico da linguagem humana. A sua preocupação básica é a língua natural, ou seja, aquela que é falada espontaneamente pelos grupos sociais. É por isso que a linguística se preocupa em estudar toda e qualquer manifestação da linguagem humana, como o linguajar dos barranqueiros do rio São Francisco, dos boiadeiros do interior do Mato Grosso, dos flanelinhas de Belo Horizonte, dos plantadores de cana de açúcar do Nordeste, dos frequentadores dos bailes funk da periferia do Rio de Janeiro, etc. A “linguagem” é estudada em sua essência, tal como ela se apresenta, livre de policiamentos, censuras ou julgamentos de valor, do mesmo modo como se estuda um       fenômeno antropológico ou sociológico. A gramática normativa não tem nada a ver com a descrição das línguas ou dos linguajares e a grande maioria dos estudos linguísticos se baseia na linguagem oral. É o que se lê no Dicionário de Linguística de Dubois et al.: “Todos os fatos de língua são estudados: o ponto de vista normativo é excluído”.

            A língua padrão escrita, que é apresentada nas gramáticas tradicionais, não é (ou não deveria ser) objeto de estudo da linguística. Essa é uma modalidade de linguagem tradicional, artificial, convencional, que tem suas próprias regras, diferentes, na superfície, das regras da linguagem falada. Mas é necessário dizer que a gramática tradicional, apesar de apresentar inúmeras contradições, omissões e equívocos em sua teoria, apresenta um modelo de linguagem que é seguido pela imensa maioria das publicações em que se espera que seja usada a língua padrão, como nos jornais, revistas, periódicos, livros (e artigos) técnicos e científicos, linguagem oficial, burocrática, comercial, etc.

            Essa língua padrão é o principal objeto de estudo do ensino fundamental. Como diz Possenti, “o objetivo da escola é ensinar a língua padrão. Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico”. É com esse tipo de linguagem que devem se preocupar os professores de português, tanto do ensino básico quanto do ensino superior. Afinal, a língua padrão vai ser importante, essencial e muitas vezes indispensável na vida das pessoas.

            Mas isso é assunto para a próxima postagem.

terça-feira, 12 de junho de 2012

A gramática é uma religião


            Certa vez recebi um conselho, que sigo religiosamente até hoje, e que repasso aos meus caros alunos: em sala de aula, não se deve discutir religião, política e futebol. Quanto à religião e à política, a discussão se torna de fato muito difícil, porque as crenças e as ideologias subjugam e embotam as mentes, os espíritos e até os corações. Quanto ao futebol, acho que não vale a pena falar sobre o assunto, porque o Galo de Minas é realmente o melhor time e não vale a pena discutir essa questão.

            Brincadeiras à parte, vou abrir uma exceção e dizer que há pessoas que tratam a gramática como se fosse uma religião. Em primeiro lugar, consideram a gramática como se fosse a Bíblia. Trata-se, segundo essas pessoas, do livro sagrado da língua portuguesa. Em segundo lugar, a gramática é infalível, e desrespeitar os seus preceitos é um pecado mortal. Em terceiro lugar, a gramática é intocável e não se pode mudar as suas regras e preceitos. Há mais de dois mil anos ela permanece, na sua essência, a mesma. Em quarto lugar, os “fieis”, ou melhor, a grande maioria dos falantes, consideram que a gramática é a própria língua portuguesa. Quantas e quantas pessoas dizem que “não sabem português”, “que português é muito difícil”, quando, na verdade, querem dizer que a gramática do português é muito difícil. As pessoas não se dão conta de que falam maravilhosamente bem o português, porque falam o que querem, conversam com todas as pessoas, leem jornais, revistas e livros, entendem o que se fala nos rádios, televisões, cinemas, teatros, etc. Mesmo assim, as pessoas de um modo geral insistem em dizer que não sabem português.

            Voltando à comparação com a religião, é interessante observar o seguinte: muitas e muitas pessoas se afastaram da prática da religião e de seus dogmas (refiro-me especialmente à religião católica, que é o meu caso). Não se confessam mais, não vão à missa aos domingos, não fazem jejum, não acreditam na infalibilidade do Papa, não acreditam que Cristo tenha sido homem e Deus ao mesmo tempo, etc. No entanto, se passar um recenseador em suas casas, eles dirão que são católicos.

            O caso da gramática é mais ou menos o mesmo. A grande maioria das pessoas diz que as regras gramaticais, com seus exageros, suas exceções e com a sua nomenclatura esdrúxula e rebarbativa, são desnecessárias no aprendizado do português. Além disso, é quase unânime a posição dos falantes quando afirmam que a gramática não tem qualquer proveito para auxiliar na melhor compreensão dos textos e, muito menos, na produção da escrita. Muitos alunos reconhecem que o estudo da teoria gramatical no ensino básico é um empecilho para as pessoas gostarem de português, dada a sua natureza complicada, ilógica e inatingível. Na verdade, o estudo da gramática afasta os estudantes do domínio da língua padrão.

            No entanto, se for feita uma pesquisa, tenho a impressão de que a grande maioria dos intrevistados dirá que é necessário estudar gramática. Não é uma simples questão de metodologia. A religião e a gramática são partes integrantes da cultura de um povo. E substituir os valores de um grupo social é uma das coisas mais difíceis do mundo. Mas não é impossível! 

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Dominar a norma culta é diferente de saber gramática


Um dos maiores empecilhos para aqueles que defendem a ideia de que é possível ensinar português sem estudar gramática está relacionado com a confusão generalizada que muita gente faz entre dominar a língua padrão e saber gramática. Pessoas cultas fazem essa confusão e até mesmo profissionais do ramo (professores de linguística e de português, jornalistas, escritores, etc.) caem na mesma esparrela. Em meus trabalhos, defendo a ideia de que se trata de dois saberes, ou de duas práticas distintas: uma pessoa pode escrever muito bem sem saber gramática e outra pode saber gramática sem saber escrever adequadamente.

Um exemplo dessa confusão entre saber português e saber gramática está retratado na entrevista que o Prof. Evanildo Bechara concedeu à revista Veja em 1º/06/2012. É preciso esclarecer, no entanto, que considero o referido professor como um intelectual de altíssimo nível, que tem prestado relevantes serviços ao país, na área de filologia e língua portuguesa, mas, no caso específico da entrevista, pode-se dizer que houve uma falha lamentável.

Em primeiro lugar, o professor defende o ensino e o uso da norma culta, posição com a qual concordo plenamente. “O objetivo da escola é ensinar a língua padrão’, já dizia Sírio Possenti. Em vários trechos da entrevista, a postura do professor Bechara é bastante clara: “... é preciso que se reconheça que a língua culta reúne infinitamente mais qualidades e valores (do que a língua não culta). Ela é a única que consegue produzir e traduzir os  pensamentos que circulam no mundo da filosofia, da literatura das artes e das ciências.” Mais adiante, continua, agora batendo em outra tecla: “Ela é um componente determinante da ascensão social... Privar cidadãos disso é o mesmo que lhes negar a chance de progredir na vida.” 

Até aqui tudo bem. O grande problema é a confusão que se estabeleceu com relação à gramática. São raras as pessoas que sabem gramática hoje em dia. Mesmo os professores de português não sabem gramática direito. Por outro lado, milhares ou mesmo milhões de pessoas escrevem adequadamente, mas fogem da gramática como o diabo foge da cruz. Já tive vários orientandos no Curso de Pós-Graduação da Fale/UFMG, que escreveram teses e dissertações para provar que escrever bem e saber gramática são dois saberes ou atividades distintas.

Na entrevista em questão, ficou a ideia de que para dominar a norma culta é preciso saber gramática. Se isso for verdade, são raríssimas as pessoas que dominam a norma culta, porque quase ninguém sabe gramática.
Infelizmente, até hoje, muitas pessoas condicionam o aprendizado da língua padrão ao estudo da gramática. É o que defende o Prof. Bechara ao afirmar: “ Ao questionar a necessidade do estudo da gramática nas escolas do país, linguistas como Marcos Bagno e tantos outros estão nivelando por baixo o ensino do português”. Até a revista Veja se deixou levar pelas palavras do ilustre filólogo, ao colocar como título da entrevista “Em defesa da gramática”. O ideal seria que a entrevista tivesse como título “Em defesa da norma culta”.