Certa vez
recebi um conselho, que sigo religiosamente até hoje, e que repasso aos meus
caros alunos: em sala de aula, não se deve discutir religião, política e
futebol. Quanto à religião e à política, a discussão se torna de fato muito
difícil, porque as crenças e as ideologias subjugam e embotam as mentes, os
espíritos e até os corações. Quanto ao futebol, acho que não vale a pena falar
sobre o assunto, porque o Galo de Minas é realmente o melhor time e não vale a
pena discutir essa questão.
Brincadeiras
à parte, vou abrir uma exceção e dizer que há pessoas que tratam a gramática
como se fosse uma religião. Em primeiro lugar, consideram a gramática como se
fosse a Bíblia. Trata-se, segundo essas pessoas, do livro sagrado da língua
portuguesa. Em segundo lugar, a gramática é infalível, e desrespeitar os seus
preceitos é um pecado mortal. Em terceiro lugar, a gramática é intocável e não
se pode mudar as suas regras e preceitos. Há mais de dois mil anos ela
permanece, na sua essência, a mesma. Em quarto lugar, os “fieis”, ou melhor, a
grande maioria dos falantes, consideram que a gramática é a própria língua
portuguesa. Quantas e quantas pessoas dizem que “não sabem português”, “que
português é muito difícil”, quando, na verdade, querem dizer que a gramática do
português é muito difícil. As pessoas não se dão conta de que falam
maravilhosamente bem o português, porque falam o que querem, conversam com
todas as pessoas, leem jornais, revistas e livros, entendem o que se fala nos
rádios, televisões, cinemas, teatros, etc. Mesmo assim, as pessoas de um modo
geral insistem em dizer que não sabem português.
Voltando
à comparação com a religião, é interessante observar o seguinte: muitas e
muitas pessoas se afastaram da prática da religião e de seus dogmas (refiro-me
especialmente à religião católica, que é o meu caso). Não se confessam mais,
não vão à missa aos domingos, não fazem jejum, não acreditam na infalibilidade
do Papa, não acreditam que Cristo tenha sido homem e Deus ao mesmo tempo, etc.
No entanto, se passar um recenseador em suas casas, eles dirão que são
católicos.
O caso da
gramática é mais ou menos o mesmo. A grande maioria das pessoas diz que as
regras gramaticais, com seus exageros, suas exceções e com a sua nomenclatura
esdrúxula e rebarbativa, são desnecessárias no aprendizado do português. Além
disso, é quase unânime a posição dos falantes quando afirmam que a gramática não
tem qualquer proveito para auxiliar na melhor compreensão dos textos e, muito
menos, na produção da escrita. Muitos alunos reconhecem que o estudo da teoria
gramatical no ensino básico é um empecilho para as pessoas gostarem de
português, dada a sua natureza complicada, ilógica e inatingível. Na verdade, o
estudo da gramática afasta os estudantes do domínio da língua padrão.
No
entanto, se for feita uma pesquisa, tenho a impressão de que a grande maioria
dos intrevistados dirá que é necessário estudar gramática. Não é uma simples
questão de metodologia. A religião e a gramática são partes integrantes da
cultura de um povo. E substituir os valores de um grupo social é uma das coisas
mais difíceis do mundo. Mas não é impossível!