sábado, 23 de março de 2013

As melhores redações do Enem têm erros de ortografia, concordância verbal, acentuação e pontuação. De quem é a culpa? (Continuação)


            O Enem precisa tomar cuidado com o seu conceito entre os brasileiros. Há alguns anos, houve problemas com o sigilo das provas, mas parece que essa questão foi resolvida. Agora, a correção das redações é motivo de chacota nas redes sociais e na imprensa. Conseguirá a organização do Enem sanar esse problema?  
              Na postagem de hoje, pretendo apontar três culpados pela situação vexatória em que se encontra essa questão.
             1) Como primeiro culpado da situação – como já disse anteriormente – cito os cursos de Letras, principalmente das instituições públicas, que estão muito mais interessados nos últimos lançamentos das universidades de Sorbonne, Oxford ou Harvard do que com a formação dos professores de português. Os cursos de Letras deveriam se preocupar basicamente, na graduação,  com o futuro desempenho dos docentes em sala de aula e deixar para a pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) o campo das pesquisas de ponta. Conteúdos que são ensinados nas escolas de ensino básico, como concordância verbal, regência verbal, colocação de pronomes, etc. não fazem parte dos currículos dos cursos de Letras, por serem assuntos menos nobres, de pouca importância. Ora, um pós-doc da Sorbonne vai se preocupar com conjugação verbal?
             
              2) A linguística é uma ciência relativamente nova e a sua presença nos bancos escolares dos cursos superiores de Letras provocou um verdadeiro tsunami nos estudos do vernáculo. Até hoje professores de linguística e professores de português não conseguem reconhecer os seus respectivos lugares no campo dos estudos idiomáticos.
              O professor de linguística deveria se preocupar apenas – e já é muita coisa – com o estudo científico da linguagem humana. O seu objeto de estudo é a linguagem natural, essa que as pessoas usam no seu dia a dia. O linguista não deveria ter como objeto de estudo a língua padrão escrita, porque ela é convencional, obedece a outros critérios que nâo têm nada a ver com a linguagem espontânea.
             O que se vê, porém, é (alguns) linguistas mal informados dando palpite (errado) na forma de correção das redações. Já dei alguns exemplos sobre esse problema em postagens anteriores. E o mais interessante de tudo é que a maioria desses professores de linguística nunca pôs o pé em uma sala do ensino básico para dar aula de português, como se supõe que seja formada a equipe-chefe da correção de redações do Enem.
             A filosofia do ensino da língua nas escolas – e da correção de redações – deveria ser entregue a professores de português. Esses sim, têm como preocupação básica o ensino da língua padrão.
            
             3) O cidadão comum vai precisar na sua vida é do português padrão. Que o digam os profissionais dos vários ramos do conhecimento: jornalistas, advogados, juízes, arquitetos, professores, historiadores, técnicos das mais diversas áreas, etc. Mesmo no dia a dia, as pessoas estão constantemente redigindo procurações, escrevendo cartas comerciais, bilhetes, avisos e desvendando os segredos dos manuais de instrução ou do manual do imposto de renda, que são escritos, como se sabe, em língua padrão.
          O domínio da língua padrão é, de longe, o objetivo mais importante do ensino de português no ciclo básico.
          Essa não parece ser a preocupação dos autores da prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias do último exame do Enem. Das 39 questões da prova, 27 se preocupam com a linguagem não padrão: ou são textos de literatura (prosa e poesia), ou são textos em linguagem publicitária (que não utiliza, necessariamente, a língua padrão), ou transcrições de linguagem falada ou ainda textos que colocam em xeque o emprego da língua culta. Por outro lado, todas as questões são escritas em língua padrão (não só as provas de Linguagens, como também de todas as outras disciplinas). A organização da prova exige que a redação seja do “tipo dissertativo-argumentativo", o que vale dizer, em língua padrão.
          A impressão que se tem, ao ler a prova de Linguagens, é de que seus autores (todos formados em Letras, como se presume) querem que os estudos realizados nos cursos de Letras sejam o centro do Universo. Ledo engano! Se as provas fossem elaboradas por professores do ensino básico, certamente, o português padrão seria, de longe, o mais exigido na prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias.

            Ensinar português é algo muito mais simples do que preconizam os teóricos da linguagem. É praticar a leitura, o ditado, a cópia e a redação, tudo isso, é claro, com uma nítida preferência pela língua culta. 

terça-feira, 19 de março de 2013

As "melhores" redações do Enem têm erros de ortografia, concordância verbal, acentuação e pontuação. De quem é a culpa?


            Os professores de português que têm consciência de sua profissão e que sabem da importância do ensino da língua culta nas escolas devem estar envergonhados com a notícia que saiu na imprensa escrita e falada do país. Os candidatos do Enem, que deveriam ter o “domínio da norma padrão da língua escrita”, conforme reza o Guia do Estudante, cometeram, por uma lado, erros elementares de ortografia, como “enchergar” e “trousse”, e deixaram de colocar acento em palavras como “indivíduo, saúde, geográfica e necessário”. Cometeram também erros graves de concordância verbal, como em: “essas providências, no entanto, não deve (sic) ser expulsão” e “é fundamental que hajam (sic) debates”.

            Tão lamentável quanto os fatos ocorridos, ou seja, a incorreção dos alunos e a correção absurda da equipe de professores do Enem, é a posição cínica e irresponsável do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), que afirma:  “...uma redação nota máxima pode apresentar alguns desvios nas competências avaliadas”. E acrescenta:     “...um texto pode apresentar eventuais erros de grafia, mas pode ser rico em sua organização sintática, revelando um excelente domínio das estruturas da língua portuguesa”.

            Experimente um advogado, um jornalista ou um professor escrever dessa maneira em seus textos. Provavelmente ele será ridicularizado ou, até mesmo, despedido de seu serviço. Mas para o Inep, para o Enem e para uma parcela ínfima de professores de português trata-se apenas de alguns “desvios” e de “eventuais” erros de grafia. Mas para a imprensa séria do país e para a sociedade idônea e consciente de suas obrigações, trata-se de mais uma “insanidade” do ensino de português, como vem ocorrendo nos últimos tempos.

            Mas, afinal de contas, de quem é a culpa dessa situação?

            Nas próximas postagens, vou apresentar os principais culpados por essa postura absurda do ensino de português.