segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A gramática tradicional e a gramática científica


            As pessoas que não fazem um curso de letras, ou seja, que não estudam linguística (embora se possa estudar linguística sem fazer um curso de letras), via de regra, só conhecem um tipo de gramática: é aquela que se chama de tradicional, normativa ou prescritiva. Ela é descrita em livros como os de Cunha e Cintra, Bechara, Cegalla, Rocha Lima, Cipro Neto, etc. Falei sobre essas gramáticas na última postagem. Embora apresentem uma teoria confusa, arcaica e contraditória, elas apresentam, porém, um modelo de linguagem que tem sido seguido pela imensa maioria dos jornais, revistas, livros técnicos e científicos, pela comunicação oficial, pela correspondência comercial e pública, etc. Enfim, nos meios ou suportes em que se espera que seja usada a língua padrão escrita, é ele, o modelo de linguagem descrito pelas gramáticas tradicionais, que tem sido usado, como foi visto anteriormente. Embora apresentem muitos problemas, é esse tipo de gramática que deve servir de consulta para os professores de português.

            Esse tipo de gramática não deve ser confundido com o que hoje se chama de gramática científica. Ela se destina ao estudo científico da linguagem humana e deve ser usada por estudantes de letras, por professores de português e por pesquisadores que desejam estudar com profundidade a linguagem humana. A gramática científica não se preocupa com a linguagem padrão escrita, como, de fato, não é objetivo da linguística estudar a linguagem normativa. Como afirmam Dubois et alii, no Dicionário de linguística (Cultrix), na linguística “todos os fatos de língua são estudados: o ponto de vista normativo é excluído.” (p. 391). Um bom exemplo de gramática científica é a que foi publicada recentemente pelo Prof. Mário Perini, intitulada Gramática do português brasileiro (Parábola, 2010). O autor, numa atitude extremamente coerente com os propósitos de sua obra, afirma na p. 26: “Este é, portanto, um livro destinado a alunos e professores de letras, assim como a professores de línguas de todos níveis – pessoas que já conhecem os rudimentos de gramática.” Essa gramática não é indicada, portanto, para alunos dos níveis secundário e médio. Um modelo de frase como “chegou mais de vinte pacotes para o senhor” (p. 278) é objeto de estudo – com toda a razão – da Gramática do Prof. Perini, por ser muito utilizado, mesmo por pessoas escolarizadas. As gramáticas tradicionais, por sua vez – e com toda a razão –, não se interessam por esse modelo de linguagem, pois o objetivo delas é apresentar a língua escrita padrão.

            A Gramática pedagógica do português brasileiro, de Marcos Bagno, não é tradicional nem científica. Não é tradicional, pois ele mesmo se declara contra a gramática tradicional. Não é científica, pois para servir de modelo para a língua padrão escrita, ela deveria se basear na língua padrão escrita. Mas não é isso o que acontece, como vimos na postagem anterior.

            Como deve ser um livro de consultas que sirva de modelo para que alunos do curso básico e pessoas de um modo geral possam usar no seu dia a dia? É sobre esse assunto que pretendo tratar na próxima postagem.     

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