As
pessoas que não fazem um curso de letras, ou seja, que não estudam linguística
(embora se possa estudar linguística sem fazer um curso de letras), via de
regra, só conhecem um tipo de gramática: é aquela que se chama de tradicional,
normativa ou prescritiva. Ela é descrita em livros como os de
Cunha e Cintra, Bechara, Cegalla, Rocha Lima, Cipro Neto, etc. Falei sobre
essas gramáticas na última postagem. Embora apresentem uma teoria confusa,
arcaica e contraditória, elas apresentam, porém, um modelo de linguagem que tem
sido seguido pela imensa maioria dos jornais, revistas, livros técnicos e
científicos, pela comunicação oficial, pela correspondência comercial e
pública, etc. Enfim, nos meios ou suportes em que se espera que seja usada a
língua padrão escrita, é ele, o modelo de linguagem descrito pelas gramáticas
tradicionais, que tem sido usado, como foi visto anteriormente. Embora
apresentem muitos problemas, é esse tipo de gramática que deve servir de
consulta para os professores de português.
Esse tipo
de gramática não deve ser confundido com o que hoje se chama de gramática
científica. Ela se destina ao estudo científico da linguagem humana e deve
ser usada por estudantes de letras, por professores de português e por pesquisadores
que desejam estudar com profundidade a linguagem humana. A gramática científica
não se preocupa com a linguagem padrão escrita, como, de fato, não é objetivo
da linguística estudar a linguagem normativa. Como afirmam Dubois et alii, no Dicionário
de linguística (Cultrix), na linguística “todos os fatos de língua são
estudados: o ponto de vista normativo é excluído.” (p. 391). Um bom exemplo de
gramática científica é a que foi publicada recentemente pelo Prof. Mário
Perini, intitulada Gramática do português brasileiro (Parábola, 2010). O
autor, numa atitude extremamente coerente com os propósitos de sua obra, afirma
na p. 26: “Este é, portanto, um livro destinado a alunos e professores de
letras, assim como a professores de línguas de todos níveis – pessoas que já
conhecem os rudimentos de gramática.” Essa gramática não é indicada, portanto,
para alunos dos níveis secundário e médio. Um modelo de frase como “chegou mais
de vinte pacotes para o senhor” (p. 278) é objeto de estudo – com toda a razão
– da Gramática do Prof. Perini, por ser muito utilizado, mesmo por
pessoas escolarizadas. As gramáticas tradicionais, por sua vez – e com toda a
razão –, não se interessam por esse modelo de linguagem, pois o objetivo delas
é apresentar a língua escrita padrão.
A Gramática
pedagógica do português brasileiro, de Marcos Bagno, não é tradicional nem
científica. Não é tradicional, pois ele mesmo se declara contra a gramática
tradicional. Não é científica, pois para servir de modelo para a língua padrão
escrita, ela deveria se basear na língua padrão escrita. Mas não é isso o que
acontece, como vimos na postagem anterior.
Como deve
ser um livro de consultas que sirva de modelo para que alunos do curso básico e
pessoas de um modo geral possam usar no seu dia a dia? É sobre esse assunto que
pretendo tratar na próxima postagem.
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