Uma das tarefas mais espinhosas,
árduas e cansativas do professor de português é a famosa “correção de redação”.
Deem o nome que quiserem – produção da escrita, produção textual, reescrita,
etc., – o certo é que o professor tem por obrigação levar o aluno a produzir os
mais variados tipos de texto durante o período escolar. Trata-se de uma tarefa
extremamente importante, mas, como dizia, espinhosa. Pense-se em um professor
obrigado a corrigir cem, duzentos ou mesmo trezendos textos por semana, por mês
ou por bimestre... O ensino da redação é uma questão por demais complexa e não
posso descer aqui a pormenores com relação ao assunto. No meu livro Gramática:
nunca mais (o primeiro deles), procuro discorrer bastante sobre essa
prática escolar tão útil para a vida.
O
principal problema está relacionado com o critério de correção. O que deve
prevalecer: a criação do aluno ou a correção linguística? Alguém poderia falar
em meio- -termo, mas isso é
possível? Um poema é um poema e uma procuração é uma procuração, com tipos de
linguagem diferentes.
Sempre
que toco nesse assunto, lembro-me de que certa vez, há muitos anos, quando eu
era professor da Escola Estadual Professor Pedro Aleixo, em Belo Horizonte,
pedi aos meus alunos que fizessem uma redação com o título Se eu fosse
Presidente da República. De um modo geral, os alunos usaram o chamado
“português correto”, como era de esperar, mas houve um deles – de sobrenome
Moreno, filho de uma aluna minha da Faculdade e de um jornalista – que
extrapolou, isto é, escreveu (intuitivamente, é claro) à maneira de Álvaro de
Campos: eram gritos lancinantes de revolta contra a situação vigente, sem
pontuação, sem paragrafação e sem muita sequência lógica, mas que surtiram um
efeito extraordinário, considerando-se que era uma criança de 12 ou 13 anos.
Daí me veio a dúvida: que nota atribuir ao trabalho do aluno?
Existem
várias propostas com relação à avaliação de textos, mas parece não haver
nenhuma que satisfaça a maioria dos professores de português. Um aluno que
escreve corretamente, de acordo com os padrões cultos da linguagem, merece uma
nota boa, mesmo que a sua redação seja pouco ou nada criativa? Mas o importante
para a vida não é saber usar o dialeto padrão? Afinal, o aluno vai precisar na
vida profissional é de escrever cartas, ofícios, procurações, avisos,
relatórios, textos técnicos, etc. O dom da criação artística é um privilégio de
poucos e, na verdade, são poucas as pessoas que se dedicam a essa atividade.
Mas as suas redações na escola, mesmo com problemas de adequação à língua
culta, devem ser bem avaliadas, no sentido de obterem boas notas?
Enfim,
como deve ser a correção de textos na escola? Deve ou pode o professor avaliar a redação e, numa atitude mais ou
menos impressionista, lançar a nota global? Ou seria conveniente dar uma nota
pelo conteúdo e descontar alguns pontos pelos chamados erros de português? Ou
não deve o professor se preocupar com o aspecto formal do trabalho, isto é, com
a ortografia, pontuação, concordância, regência, etc., valorizando apenas a
comunicação ou a mensagem proposta pelo aluno?
Agora
transponha-se esse problema para a correção dos milhões de redações do Enem.
São milhares de professores-corretores, ou seja, milhares de cabeças pensantes
diferentes que, mesmo com treinamento específico – on-line, diga-se de passagem
–, atribuem notas aos candidatos do Enem. Acho uma atitude temerária do Inep
atribuir pontos a uma correção que apresenta tantos problemas e um viés
subjetivo bastante forte.
Não estou
com isso dizendo que não deve haver redação no Enem. Pelo contrário; sou
francamente favorável a essa atividade pedagógica, essencial para a vida e para
a carreira do indivíduo. Condeno apenas a maneira como é feita a correção. Mas
como deve ser operacionalizada a avaliação das redações do Enem? Na próxima
postagem apresentarei uma proposta simples e objetiva para a questão, que não
traga tanta desconfiança para os candidatos. Urge que pensemos no assunto,
antes que as redações do Enem se tornem uma “piada nacional”, como vaticinou a
revista Veja, em uma reportagem recente.
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