terça-feira, 16 de abril de 2013

Redações do Enem: um problema sem solução?


            Uma das tarefas mais espinhosas, árduas e cansativas do professor de português é a famosa “correção de redação”. Deem o nome que quiserem – produção da escrita, produção textual, reescrita, etc., – o certo é que o professor tem por obrigação levar o aluno a produzir os mais variados tipos de texto durante o período escolar. Trata-se de uma tarefa extremamente importante, mas, como dizia, espinhosa. Pense-se em um professor obrigado a corrigir cem, duzentos ou mesmo trezendos textos por semana, por mês ou por bimestre... O ensino da redação é uma questão por demais complexa e não posso descer aqui a pormenores com relação ao assunto. No meu livro Gramática: nunca mais (o primeiro deles), procuro discorrer bastante sobre essa prática escolar tão útil para a vida.

            O principal problema está relacionado com o critério de correção. O que deve prevalecer: a criação do aluno ou a correção linguística? Alguém poderia falar em meio-     -termo, mas isso é possível? Um poema é um poema e uma procuração é uma procuração, com tipos de linguagem diferentes.

            Sempre que toco nesse assunto, lembro-me de que certa vez, há muitos anos, quando eu era professor da Escola Estadual Professor Pedro Aleixo, em Belo Horizonte, pedi aos meus alunos que fizessem uma redação com o título Se eu fosse Presidente da República. De um modo geral, os alunos usaram o chamado “português correto”, como era de esperar, mas houve um deles – de sobrenome Moreno, filho de uma aluna minha da Faculdade e de um jornalista – que extrapolou, isto é, escreveu (intuitivamente, é claro) à maneira de Álvaro de Campos: eram gritos lancinantes de revolta contra a situação vigente, sem pontuação, sem paragrafação e sem muita sequência lógica, mas que surtiram um efeito extraordinário, considerando-se que era uma criança de 12 ou 13 anos. Daí me veio a dúvida: que nota atribuir ao trabalho do aluno?

            Existem várias propostas com relação à avaliação de textos, mas parece não haver nenhuma que satisfaça a maioria dos professores de português. Um aluno que escreve corretamente, de acordo com os padrões cultos da linguagem, merece uma nota boa, mesmo que a sua redação seja pouco ou nada criativa? Mas o importante para a vida não é saber usar o dialeto padrão? Afinal, o aluno vai precisar na vida profissional é de escrever cartas, ofícios, procurações, avisos, relatórios, textos técnicos, etc. O dom da criação artística é um privilégio de poucos e, na verdade, são poucas as pessoas que se dedicam a essa atividade. Mas as suas redações na escola, mesmo com problemas de adequação à língua culta, devem ser bem avaliadas, no sentido de obterem boas notas?

            Enfim, como deve ser a correção de textos na escola? Deve ou pode o professor  avaliar a redação e, numa atitude mais ou menos impressionista, lançar a nota global? Ou seria conveniente dar uma nota pelo conteúdo e descontar alguns pontos pelos chamados erros de português? Ou não deve o professor se preocupar com o aspecto formal do trabalho, isto é, com a ortografia, pontuação, concordância, regência, etc., valorizando apenas a comunicação ou a mensagem proposta pelo aluno?

            Agora transponha-se esse problema para a correção dos milhões de redações do Enem. São milhares de professores-corretores, ou seja, milhares de cabeças pensantes diferentes que, mesmo com treinamento específico – on-line, diga-se de passagem –, atribuem notas aos candidatos do Enem. Acho uma atitude temerária do Inep atribuir pontos a uma correção que apresenta tantos problemas e um viés subjetivo bastante forte.

            Não estou com isso dizendo que não deve haver redação no Enem. Pelo contrário; sou francamente favorável a essa atividade pedagógica, essencial para a vida e para a carreira do indivíduo. Condeno apenas a maneira como é feita a correção. Mas como deve ser operacionalizada a avaliação das redações do Enem? Na próxima postagem apresentarei uma proposta simples e objetiva para a questão, que não traga tanta desconfiança para os candidatos. Urge que pensemos no assunto, antes que as redações do Enem se tornem uma “piada nacional”, como vaticinou a revista Veja, em uma reportagem recente.    

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