sexta-feira, 13 de abril de 2012

De acordo com o Acordo

            Fui alertado por minha competente e simpática ex-aluna Simone Garófalo de que há um movimento capitaneado pelos professores Pasquale Cipro Neto e Ernani Pimentel no sentido de pedir ao Senado a suspensão do Acordo Ortográfico firmado recentemente pelos países de língua portuguesa. Em que pese a minha admiração pelo Prof. Pasquale, gostaria de dizer que a suspensão do Acordo seria um retrocesso, ou mesmo um desatino, com relação a toda essa questão. Seria atear lenha a uma fogueira que já está se apagando.

            Além disso, a meu ver, o Acordo apresenta mais benefícios do que malefícios. Vejamos os benefícios.

            Retomo aqui apenas duas reformas realizadas no século passado, que foram muito positivas para a fixação da ortografia nacional: a de 1943 e a de 1971.

            Antes de 1943, a grafia das palavras era extremamente confusa. Vivia-se ainda uma época de escrita pseudoetimológica, em que havia uma forte influência da época clássica e renascentista. As palavras eram escritas à maneira latina, com o emprego de rh (como em rhomboidal), de th (como em theatro), de ph (como em phosphoro e pharmacia) e de ch (com o som de k, como em chronica e chrisma). Pode-se mesmo dizer que havia uma barafunda generalizada em termos de ortografia, com exageros e equívocos que contribuíam para uma verdadeira algaravia nacional, como nos exemplos citados, além de outros como: typographia, septe, docto, dapno, infermo, intrar, egreja, lyrio, cyrio, comptar, sancto, etc.

            Em 1904, o foneticista português Gonçalves Viana tinha escrito um livro muito importante, intitulado Ortografia Nacional, que serviu de base para as reformas que se seguiram. Mas foi só em 1943 que o Brasil fixou a atual ortografia, com a publicação do Vocabulário Ortográfico pela Academia Brasileira de Letras. É a norma de 43 que vigora até hoje e que tornou a escrita do português relativamente fácil, se a compararmos com a francesa ou inglesa, por exemplo. Em termos de ortografia, a portuguesa é uma das mais accessíveis e funcionais que existem, por causa de sua simplicidade e de sua fidelidade à fonética, embora, é claro, conserve alguns laivos de etimologismo.

            Em 1971, uma pequena e arguta reforma livrou a escrita de um fardo penoso aos usuários da língua e particularmente aos professores da língua pátria. Antes de 71, era difícil saber – e ensinar aos alunos – que agôsto, o nome do mês, levava acento para diferenciar de agosto (?), que dêle, nêle, aquêle, mêdo, estrêla, fêz, côr, fôsse, fôr e outros milhares de palavras levavam acento para diferenciar de dele, nele, aquele, medo, estrela, cor, fosse, for, etc. (todas elas com vogal tônica aberta).

            Agora imagine, meu caro leitor, como seria difícil a escrita – principalmente para o ensino de português – se não tivéssemos passado pelas reformas de 43 e 71!

            O último Acordo, de 1990, embora tenha sido tímido, pois atingiu poucas palavras da língua portuguesa (em termos de frequência), contribuiu um pouco mais para que a escrita se torne cada vez mais fácil e accessível aos usuários e aprendizes da escrita. As reformas são importantes sob o ponto de vista pedagógico, pois elas estão se encaminhando para a simplificação da ortografia. Sendo assim, considerando o recente Acordo, podem-se considerar como fatores positivos a extinção do trema e a abolição do acento em palavras como assembleia, heroico, para (verbo parar), polo, pera, coa, veem, voo, argui, etc. É claro que o Acordo tem também pontos negativos: o calcanhar de aquiles é o emprego do hífen, que continua confuso e incompreensível, como era antigamente.

            A escrita de uma língua nunca é completamente fiel à sua execução oral. Mas para o bem da simplicidade e, ipso facto, do ensino do idioma nacional, é necessário que reformas parciais sejam feitas de tempos em tempos. Caso contrário, a escrita ficará esclerosada, como no caso do inglês e do francês. Reformas muito bruscas também são desaconselháveis, porque provocam confusão entre os usuários da língua. Sugiro que a próxima reforma – que espero seja no mínimo daqui a cinquenta anos – “conserte” a questão do fonema /s/, por exemplo. Como se sabe, há pelo menos nove maneiras diferentes de escrever o “som” representado pelos dois esses da palavra osso: seda, cedo, aço, osso, descer, excêntrico, extra, exsudar e feliz. Coitados dos nossos alunos! 

            As mais importantes e difundidas línguas ocidentais têm uma escrita única no mundo, como o inglês, o francês, o espanhol e o alemão. Faltava ao português, a sexta língua mais falada na Terra, esse status de regularidade.

            Deixo aqui registradas estas sábias palavras do Prof. Ismael de Lima Coutinho a respeito do assunto em questão: “ Faz-se mister, portanto, democratizar a ortografia. Já vai longe o tempo em que ela era considerada alguma coisa misteriosa, cujos segredos só competiam aos sacerdotes e iniciados.” 

2 comentários:

  1. Olá Professor!! Obrigada por mencionar meu nome no texto. Eu fiquei pensando que estamos rumo a uma simplificação da ortografia, é inegável. No entanto, não seria uma perda muito grade a falta do trema? Considero essa pergunta tendo em vista as minhas aulas de português para estrangeiros. Sei que é uma modalidade distinta, mas a nova ortografia torna mais difícil o ensino para esse tipo de aluno. O que fazer? Grande abraço, Simone.

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    1. Simone, eu li o que o Professor Rochinha disse no blog e concordo com ele: mudanças ortográficas são necessárias de tempos em tempos para simplificação da escrita de uma língua. Adorei o apanhado geral que ele fez das mudanças anteriores! Concordo totalmente também com a observação sobre o uso do hífen, que continua confuso como era antes. Tinha era que acabar com ele de uma vez.
      Quanto ao que você disse sobre o trema, entendo que fica mais difícil para explicar aos alunos estrangeiros, mas é algo que eles vão ter que pegar com o uso das palavras, com o tempo, mesmo porque só conheço uma pessoa que escrevia com o trema antes de ele cair, que é uma amiga minha, revisora da Assembleia Legislativa. Eu mesma não usava há muito tempo e creio que muitos textos até de jornais e revistas não usavam. Ou seja, o que determina a língua, a sua evolução, é o uso que a comunidade faz dela.
      Ainda acho muito cedo para fazer uma alteração do tipo propondo a unificação da escrita do fonema S, como o próprio Rochinha lembrou. Por exemplo, se ficar determinado que esse som só se escreverá com o S mesmo, imagina: sedo (cedo), marcasão (marcação), casa (caça; aí casa teria que virar caza), masa (massa), estra (extra), eseto (exceto), esesão (exceção). Puxa, tomara que eu esteja morta quando acontecer isso, pois vou estranhar muito.

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