terça-feira, 12 de junho de 2012

A gramática é uma religião


            Certa vez recebi um conselho, que sigo religiosamente até hoje, e que repasso aos meus caros alunos: em sala de aula, não se deve discutir religião, política e futebol. Quanto à religião e à política, a discussão se torna de fato muito difícil, porque as crenças e as ideologias subjugam e embotam as mentes, os espíritos e até os corações. Quanto ao futebol, acho que não vale a pena falar sobre o assunto, porque o Galo de Minas é realmente o melhor time e não vale a pena discutir essa questão.

            Brincadeiras à parte, vou abrir uma exceção e dizer que há pessoas que tratam a gramática como se fosse uma religião. Em primeiro lugar, consideram a gramática como se fosse a Bíblia. Trata-se, segundo essas pessoas, do livro sagrado da língua portuguesa. Em segundo lugar, a gramática é infalível, e desrespeitar os seus preceitos é um pecado mortal. Em terceiro lugar, a gramática é intocável e não se pode mudar as suas regras e preceitos. Há mais de dois mil anos ela permanece, na sua essência, a mesma. Em quarto lugar, os “fieis”, ou melhor, a grande maioria dos falantes, consideram que a gramática é a própria língua portuguesa. Quantas e quantas pessoas dizem que “não sabem português”, “que português é muito difícil”, quando, na verdade, querem dizer que a gramática do português é muito difícil. As pessoas não se dão conta de que falam maravilhosamente bem o português, porque falam o que querem, conversam com todas as pessoas, leem jornais, revistas e livros, entendem o que se fala nos rádios, televisões, cinemas, teatros, etc. Mesmo assim, as pessoas de um modo geral insistem em dizer que não sabem português.

            Voltando à comparação com a religião, é interessante observar o seguinte: muitas e muitas pessoas se afastaram da prática da religião e de seus dogmas (refiro-me especialmente à religião católica, que é o meu caso). Não se confessam mais, não vão à missa aos domingos, não fazem jejum, não acreditam na infalibilidade do Papa, não acreditam que Cristo tenha sido homem e Deus ao mesmo tempo, etc. No entanto, se passar um recenseador em suas casas, eles dirão que são católicos.

            O caso da gramática é mais ou menos o mesmo. A grande maioria das pessoas diz que as regras gramaticais, com seus exageros, suas exceções e com a sua nomenclatura esdrúxula e rebarbativa, são desnecessárias no aprendizado do português. Além disso, é quase unânime a posição dos falantes quando afirmam que a gramática não tem qualquer proveito para auxiliar na melhor compreensão dos textos e, muito menos, na produção da escrita. Muitos alunos reconhecem que o estudo da teoria gramatical no ensino básico é um empecilho para as pessoas gostarem de português, dada a sua natureza complicada, ilógica e inatingível. Na verdade, o estudo da gramática afasta os estudantes do domínio da língua padrão.

            No entanto, se for feita uma pesquisa, tenho a impressão de que a grande maioria dos intrevistados dirá que é necessário estudar gramática. Não é uma simples questão de metodologia. A religião e a gramática são partes integrantes da cultura de um povo. E substituir os valores de um grupo social é uma das coisas mais difíceis do mundo. Mas não é impossível! 

2 comentários:

  1. Gostei do artigo, a apartir de hoje posso dizer que sei portugues.
    Abçs

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  2. Também acredito na necessidade de uma reforma no ensino brasileiro. Tenho ouvido falar demais ultimamente em "luta para implantar uma escola de tempo integral no Brasil" como se mais fosse sinônimo de melhor. Não seria mais urgente fazer funcionar a escola no horário regular?
    Um sistema de ensino que ainda prima por fazer o aluno remoer o que engoliu nunca funcionou e muito menos funcionará para uma geração consciente de sua inteligência, exposta a uma grande quantidade de informação e com acesso a algo tão interessante quanto o mundo virtual. É necessário respeitar a inteligência do aluno ensinando aquilo que realmente se transformará em conhecimento e orientando-o a utilizar as ferramentas necessárias.
    No caso do ensino da língua portuguesa deveria se concentrar no foco “ler e escrever bem”. Isso, partindo de um conceito de ler (decodificar+acionar e relacionar conhecimentos prévios+ entender) e escrever (dominar variedades linguísticas+ gêneros textuais para bem comunicar ideias).
    Concordo com o pensamento de que gramática devia ser estudada era na Letras. O que se vê hoje é uma insistência em ensinar gramática sistematicamente no ensino regular e, na Letras, estimular a vivência da leitura e escrita em sua plenitude. Inversão total. O que deveria ser direito de todos é a vivência da leitura e escrita em sua plenitude e, dever e parte da profissão do professor de português o domínio da gramática. Tal inversão resulta em dois problemas. O primeiro é o alto número analfabeto funcional. O segundo é o pouco domínio dos profissionais das Letras sobre o conteúdo uma vez que, as faculdades de letras pressupõe que seu aluno já sabe o suficiente de gramática por ter tido contato com a mesma durante toda a vida escolar sem levar em conta que determinados conteúdos exige maturidade para que a pessoa possa realmente se apropriar dele.

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