No último
dia 15 chamou a minha atenção uma Carta do leitor publicada no Estado
de Minas, intitulada “Leitor critica postura de linguistas”, de autoria
de Manoel Eulálio d’Assumpção.
O autor
da carta afirma: “Deslumbrados linguistas ou sociolinguistas que não sabem a
língua portuguesa (por terem a cabeça atulhada de teorias fantasiosas e por
desprezar irresponsavelmente o conhecimento das normas básicas da linguagem)
viraram uma praga no ensino de nosso idioma.”
Não é a
primeira vez que aparece esse tipo de problema na imprensa – o choque de
posturas entre as teorias linguísticas e o ensino da língua portuguesa. Não
adianta tapar o sol com a peneira: as divergências existem, vêm de muitos anos,
mas é possível traçar uma linha clara de atuação entre os linguistas e os
professores de português.
A
linguística é o estudo científico da linguagem humana. A sua preocupação básica
é a língua natural, ou seja, aquela que é falada espontaneamente pelos grupos
sociais. É por isso que a linguística se preocupa em estudar toda e qualquer
manifestação da linguagem humana, como o linguajar dos barranqueiros do rio São
Francisco, dos boiadeiros do interior do Mato Grosso, dos flanelinhas de Belo
Horizonte, dos plantadores de cana de açúcar do Nordeste, dos frequentadores
dos bailes funk da periferia do Rio de Janeiro, etc. A “linguagem” é estudada
em sua essência, tal como ela se apresenta, livre de policiamentos, censuras ou
julgamentos de valor, do mesmo modo como se estuda um fenômeno antropológico ou sociológico. A gramática normativa
não tem nada a ver com a descrição das línguas ou dos linguajares e a grande
maioria dos estudos linguísticos se baseia na linguagem oral. É o que se lê no Dicionário
de Linguística de Dubois et al.: “Todos os fatos de língua são estudados: o
ponto de vista normativo é excluído”.
A língua
padrão escrita, que é apresentada nas gramáticas tradicionais, não é (ou não
deveria ser) objeto de estudo da linguística. Essa é uma modalidade de
linguagem tradicional, artificial, convencional, que tem suas próprias regras,
diferentes, na superfície, das regras da linguagem falada. Mas é necessário
dizer que a gramática tradicional, apesar de apresentar inúmeras contradições,
omissões e equívocos em sua teoria, apresenta um modelo de linguagem que é
seguido pela imensa maioria das publicações em que se espera que seja usada a
língua padrão, como nos jornais, revistas, periódicos, livros (e artigos)
técnicos e científicos, linguagem oficial, burocrática, comercial, etc.
Essa
língua padrão é o principal objeto de estudo do ensino fundamental. Como diz
Possenti, “o objetivo da escola é ensinar a língua padrão. Qualquer outra
hipótese é um equívoco político e pedagógico”. É com esse tipo de linguagem que
devem se preocupar os professores de português, tanto do ensino básico quanto
do ensino superior. Afinal, a língua padrão vai ser importante, essencial e
muitas vezes indispensável na vida das pessoas.
Mas isso
é assunto para a próxima postagem.
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