terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sobre a palestra do Prof. Marcos Bagno (II)


            A gramática tradicional apresenta duas facetas, que muitas pessoas – mesmo professores de português calejados – não conseguem distinguir. De um lado, existe nos compêndios normativos uma teoria gramatical arcaica, ultrapassada, incoerente e autoritária. Via de regra, essa teoria não justifica seus pontos de vista. São dez as classes de palavras, pronto e acabou. Em vou ao cinema, o verbo é intransitivo e não se discute, apesar de todos os argumentos ao contrário. Leia-se, a propósito o livro do Prof. Perini Por uma nova gramática do português. Essa pseudo-teoria linguistica, como já expus longamente em meus livros e como defende também o Prof. Marcos Bagno, é perfeitamente dispensável do ensino do português (ensino básico).

            Outra coisa diferente é o modelo de linguagem apresentado pelas gramáticas tradicionais. Não estou discutindo as suas fontes, as suas abonações, enfim, o corpus ou os corpora em que se baseiam. Isso é outro problema. O certo é que o modelo de linguagem preconizado pelas gramáticas tradicionais é seguido, quase que integralmente, pelos suportes ou veículos que se dispõem a usar a língua padrão escrita. Não estou me referindo aqui à língua literária, à língua da publicidade ou às letras de música, por exemplo, já que se trata de gêneros diferentes. Refiro-me ao português padrão escrito, aquele que é encontrado nas reportagens dos jornais e revistas de grande circulação, nos livros e artigos técnico-científicos, nas publicações dos tribunais, das assembleias e dos órgãos públicos, por exemplo. De fato, esse português padrão é bem uniforme no país inteiro. Dificilmente podemos distinguir um livro, um artigo científico ou mesmo um jornal que é publicado em Porto Alegre, Rio de Janeiro ou Recife. Há, inclusive, pesquisas sobre o assunto. Cito aqui a tese da Prof.ª Rosângela Borges Lima, intitulada Estudo da norma escrita brasileira presente em textos jornalísticos e técnico-científicos (2003), defendida na Faculdade Letras da UFMG.

            Pois bem. É esse o tipo de linguagem que é ensinado nas escolas e que serve de modelo para que os nossos alunos adquiram o português padrão, que, por sua vez, vai ser utilizado pelos futuros advogados, jornalistas, engenheiros, arquitetos, historiadores, etc. em seus trabalhos e em sua comunicação escrita.

            Não é essa, porém, a posição do Prof. Marcos Bagno. Em sua palestra, o professor defendeu a posição de que o modelo de língua que ele propõe no ensino de português seja o da língua falada urbana culta. Não mais o modelo de linguagem que é ensinado pelas gramáticas gramaticais; não mais o tipo de linguagem que é usado nos jornais e revistas de grande circulação, nos livros técnicos e científicos, nas publicações dos tribunais, etc. Numa atitude totalmente nova e solitária nos meios acadêmicos brasileiros, o autor defende a posição de que a língua falada pelas pessoas escolarizadas deve ser o modelo do português padrão. Acontece, porém, como todos nós sabemos, que existem diferenças marcantes entre a língua escrita e a falada, ou, mais especificamente, entre a língua usada em um livro de direito e a língua do dia a dia de um jornalista ou de um professor de geografia. Isso é uma unanimidade entre os autores brasileiros e do mundo inteiro.

            Citamos a seguir algumas passagens da própria linguagem do autor, extraídas da Gramática Pedagógica, em que foi seguido o modelo da norma culta falada:

            “...levar uma pessoa a dominar plenamente as habilidades de leitura e escrita obrigando ela a decorar...(p. 22)

            “Boa parte disso tudo a gente aprende em casa... na nossa comunidade, nos grupos que fazemos parte, nas redes sociais que nos movimentamos...” (p.28)

            Me refiro aos dois títulos abaixo...” (p. 25)

            “...já passou da hora de se considerar igualmente válido e igualmente correto dizer ‘vou ao cinema’, ‘vou no cinema’ ou vou para o cinema’. (p. 620)

            “No corpus do NURC-Brasil, existe 28 usos de tinha como apresentacional...” (p. 626)

            “Não existe vida social sem que se estabeleça normas para a conduta...” (p. 32)

            Meu caro aluno ou colega: aceite o conselho de um amigo. Ao utilizar o português padrão para escrever um artigo, um aviso público ou mesmo a ata do seu condomínio, não siga as instruções da Gramática Pedagógica. Caso contrário, as pessoas dirão que você escreve errado.

            Voltaremos ao assunto.

4 comentários:

  1. Parabéns pelo livro. Estou lendo-o e cada dia fico mais encantada com a sua proposta.

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  3. Saudações e parabéns pelo trabalho, professor Rochinha. Uma questão que me incomoda em relação à Gramática Pedagógica® do professor Marcos Bagno é a seguinte: se o professor de Português tem a pretensão de ensinar aos seus alunos a norma culta das publicações oficiais - norma que este aluno não possui meios informais para dominá-la, uma vez que esta não apresenta circulação predominante no meio familiar do aluno -, o que este mesmo professor teria a ensinar aos alunos cuja variedade linguística coincide com aquela contemplada pela Gramática Pedagógica®? Outra questão a ser levantada é até que ponto podemos levar em conta os textos orais coletados pelo NURC - sabendo-se que a fala possui características próprias e diversas da escrita -, uma vez que a modalidade predominantemente objetivada pelo ensino de língua materna é justamente a modalidade escrita? Sem mais, forte abraço ao autor e aos leitores do blog do querido Professor Rochinha.

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  4. Purista... Você não deve ter lido nem meia página da Gramática Pedagógica do Português Brasileiro. Na verdade, o que Marcos Bagno propõem é que se ensine a variedade urbana de prestígio encontrada em textos com escrita mais monitorada e dados da língua falada em várias capitais do país de pessoas escolarizadas. Esses dados são baseados em dados de corpus ou corpora de grandes projetos linguísticos organizados por pessoas sérias como o Prof. Dr. Ataliba Castilho. Qaunto às passagens da linguagem do autor, não há "erro' algum já que essas formas já estão incorporadas naturalmente na gramática do português brasileiro.
    Quanto ao suposto argumento de Andre Duval, se o ensino da norma culta(variedade urbana de prestígio) que segundo ele " é uma norma que este aluno não possui meios informais para domina-lá" então será que a gramática normativa ideal, abstrata e baseada na escrita literária da língua de Portugal(que vem sendo enfiada guela abaixo aos alunos na escola) vai ser uma metodologia de ensino adequada e coerente coma realidade linguística dos falantes do português brasileiro que possuem uma gramática(entenda-se aqui gramática como o conjunto de regras da funcionalidade de uma língua)diferente da gramática do português de Portugal? Outro equívoco e mito é o de que só se deve ensinar os usos de uma língua baseado na escrita, quando que os próprios PCNs entendem e reconhecem que o uso oral também é objeto de reflexão no ensino de língua. Como se vê, ainda existe um entendimento obsoleto, anacrõnico e equivocado de língua e ensino. Um bom começo para esclarecer essas erronêas ideias é consultar um manual de linguística ou uma gramática de autores e cientistas da linguagem sérios e comprometidos com a educação linguística do país. Não vão cair no erro quase comun entre os leigos de consultar as bobagens puristas de Pasquale Cipro Neto e os meios de comunicação (as revistas Veja, época, Esado de S. Paulo, Globo etc), que só publicam nada com coisa alguma.

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