terça-feira, 27 de novembro de 2012

O ensino de português e o Enem


            As provas do Enem, de qualquer disciplina, ao mesmo tempo em que refletem os conteúdos que são ministrados nas escolas do país, também exercem uma forte influência sobre as matérias que são ensinadas no ciclo básico. É um movimento de vai e vem, em que se observa uma espécie de infiltração recíproca. Por esse motivo, fiquei bastante preocupado com as questões da prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias, realizada pelo Enem, em 2012.

            A minha preocupação está relacionada com o tipo de linguagem que deve ser ensinado na escola. Já dizia Sírio Possenti, em seu livro Por que (não) ensinar gramática na escola: “... o objetivo da escola é ensinar o português padrão (...) qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico”.

            De fato, o cidadão comum vai precisar na sua vida é do português padrão. Que o digam os profissionais dos vários ramos do conhecimento: jornalistas, advogados, juízes, arquitetos, professores, historiadores, geógrados, militares, juízes de futebol, etc., etc. Também os técnicos em enfermagem, informática, telecomunicação, instrumentação, construção civil, etc., etc. vão precisar da língua padrão para escrever seus relatórios, suas comunicações, seus avisos e assim por diante. Todos sabemos que erros de português podem comprometer uma carreira. Além disso, o indivíduo, para conseguir qualquer diploma, vai precisar dominar a língua culta para fazer os seus trabalhos, as suas provas e a sua monografia. Isso sem falar na dissertação de mestrado ou na tese de doutorado que são sempre escritas em português padrão. Mesmo no dia a dia de nossas vidas, estamos constantemente redigindo procurações, escrevendo cartas comerciais, desvendando os segredos dos manuais de instrução ou do manual do imposto de renda, que são escritos, como sabemos, em língua padrão.

            O domínio da língua padrão é, de longe, o objetivo mais importante do ensino de português no ciclo básico.

            Essa não parece ser a preocupação dos autores da prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias. Das 39 questões da prova, 27 se preocupam com a linguagem não padrão: ou são textos de literaturta (prosa e poesia), ou são textos em linguagem publicitária (que não utiliza, necessariamente, a língua padrão), ou transcrições de linguagem falada ou ainda textos que colocam em xeque o emprego da língua culta. Por outro lado, todas as questões são escritas em língua padrão (não só as provas de Linguagens, como também de todas as outras disciplinas). A organização da prova exige que a redação seja do “tipo dissertativo-argumentativo", o que vale dizer, em língua padrão.

            Não tenho nada contra a língua literária, informal ou oral. Pelo contrário, em meu livro Gramática: nunca mais, procuro estimular a prática da leitura e da escrita desse tipo de linguagem. Lembremo-nos, porém, de que a língua formal é indispensável a todo e qualquer cidadão, ao passo que a língua literária ou informal é uma questão de opção: cultiva-a quem assim o quer. Ninguém é obrigado a gostar de literatura, assim como ninguém é obrigado a gostar de música clássica, de pintura ou de balé. A escola deve, sim, estimular, mas não, obrigar o aluno a gostar das diversas modalidades artísticas. Mas isso é assunto para uma outra postagem.

            A impressão que se tem, ao ler a prova de Linguagens, é de que seus autores (todos formados em Letras, como se presume) querem que os estudos realizados nos cursos de Letras sejam o centro do Universo. Ledo engano! Se as provas fossem elaboradas por professores do ensino básico, certamente, o português padrão seria, de longe, o mais exigido na prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias.      

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