sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Perdi meu par de óculos (II)



            Se você quer ser bom em português, deve ter sempre em mente o seguinte: as regras das gramáticas tradicionais são válidas para a língua escrita culta. É claro que muitas dessas regras também são seguidas pela língua falada, mas é necessário ter em mente que há muitas normas da escrita padrão que não são usadas na fala, mesmo por pessoas cultas. Quer um bom exemplo? A gramática diz que, no sentido de existir, deve-se usar o verbo haver, não o verbo ter: em Belo Horizonte agora um novo hospital, houve uma grande enchente no Rio de Janeiro, havia muitas reclamações nesse setor, etc. Mas na língua falada, mesmo as pessoas cultas, com alto grau de escolaridade, usam o verbo ter no dia a dia: em Belo Horizonte agora tem um novo hospital, teve uma grande enchente no Rio de Janeiro,  tinha muitas reclamações nesse setor. Isso quer dizer que essas pessoas estejam erradas? Faz sentido dizer que advogados, médicos, juízes, desembargadores, professores, engenheiros, jornalistas e mesmo pessoas não formadas, mas conhecedoras do português, estejam cometendo erros de português? É claro que não. Essas pessoas estão corretíssimas. É preciso compreender que há uma certa distância entre a língua escrita culta – a tal da língua padrão, descrita pelas gramáticas – e a língua falada. Na língua falada usada por pessoas escolarizadas (e que também já foi descrita em gramáticas do português falado), ninguém diria “vai ali e busca o meu par de óculos” ou “hoje há feijoada”.

            Em resumo, (simplificando): língua escrita é língua escrita e língua falada é língua falada. Deus me livre de pessoas que falam “igualzinho como está na gramática”. Em geral são pessoas pedantes e cansativas. A propósito. Acabei de chamar o meu netinho e pedi a ele: “vai ali no meu quarto e traz o meu óculos, porque no jornal de hoje tem uma notícia interessante sobre o Neymar”. Pode?

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