quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Os ciganos e o dicionário

A imprensa veiculou estes dias mais uma polêmica envolvendo a Língua Portuguesa. O Ministério Público Federal em Minas Gerais ajuizou uma ação civil pública contra a Editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss, pelo fato de o famoso dicionário conter, segundo o Ministério, referências preconceituosas contra os ciganos. Continua o texto da ação civil: “A publicação faz semear aos que consultam esse significado a prática da intolerância, especificamente da intolerância étnica, em verdadeira afronta aos artigos 3º e 5º da nossa Constituição”.    

            Depois de dar o sentido literal ou denotativo do termo, no verbete cigano, o dicionário acrescenta, na acepção nº 5: “... que ou aquele que trapaceia, velhaco, burlador”. A questão central da polêmica é: os autores do dicionário agiram corretamente ou há, de fato, por parte deles, uma atitude preconceituosa?

            Cientificamente falando, os bons dicionários (como são o Houaiss, o Aurélio e o Michaelis, para citarmos apenas três) não podem acrescentar nada, alterar nada ou omitir nada, no que se refere ao registro de palavras, expressões e acepções. Se assim o fizerem, deixarão de ser científicos e passarão a ser, aí sim, arbitrários, prepotentes e, muitas vezes, preconceituosos. Se uma palavra tem uma determinada acepção em alguma parte do país, é obrigação do dicionarista registrar esse significado. Não compete ao lexicógrafo o direito de vetar um item lexical ou um determinado emprego de uma palavra, a não ser que se trate de uma obra com um objetivo específico, como um dicionário escolar, por exemplo, em que muitas palavras são omitidas por motivos óbvios.

            Se a palavra cigano tem essa conotação pejorativa, a culpa – se é que se pode chamar de culpa – não é do dicionário, mas  do povo, que é o verdadeiro dono da língua. Se a palavra cigano deixar de ter o sentido pejorativo na boca do povo, aí, sim, essa acepção deve ser retirada do dicionário. O certo é que, hoje, esse sentido existe na Língua Portuguesa, segundo as pesquisas do Instituto Houaiss.

            Se a moda pega, ou seja, se pessoas ou organismos quiserem vetar palavras ou acepções nos dicionários, o trabalho vai ser muito grande. Vejamos apenas três casos, retirados do Houaiss, em que são dadas outras acepções, além do sentido denotativo: judeu   – “pessoa usurária, avarenta”; baiano “tolo, negro, mulato, ignorante, fanfarrão”; católico   “que fala muito, tagarela” (emprego em Portugal).

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